17.10.05

Dia do comerciário

Adoro feriados mesmo que não possa aproveitá-los. A cidade esvazia, o trânsito melhora por um dia apenas, a vida fica mais fácil. Com a cidade deserta, aumenta minha paranóia de assaltos, embora o dia esteja lindo e ensolarado. Percebo a aproximação de um menino de rua, ou melhor de um rapaz de rua, completamente trincado. Disfarço, faço que procuro um número nos três únicos edifícios do quarteirão - e um deles é a Academia Brasileira de Letras, ou seja, nem o meu algoz imaginário se ilude com a performance, que inclui menear de cabeça e resmungos em voz alta. Enquanto ele também finge que não vai me abordar, mexendo numa lixeira, passo direto, caminhando com a firmeza e velocidade que minhas plataformas de 9 centímetros (estou com 1,72 m acima delas, uma giganta!) permitem. A altivez que demonstro não o faz desistir. Ele pede um trocadinho qualquer para comprar comida ou pagar uma passagem de ônibus, não consigo compreender seu modo de falar com os olhos brilhando e a boca cheia de água. Puxo as últimas moedas da bolsa, murmurando uma desculpa porque "hoje tá mal, querido". Ele compreende, enquanto agradece, solidário: "Tá ruim pra todo mundo, minha tia".
Na segurança do escritório, observo um casal louro de turistas tranqüilamente fotografando os jardins do Palácio do MEC, totalmente descuidados, sem o menor temor de assaltantes drogados à espreita dos incautos. Telefono para pedir meu almoço, o calor não anima volteios pelas calçadas sem sombras. O sistema de computação do restaurante está fora do ar, me explica a atendente, perguntando se eu posso estar ligando em cinco minutos. Lógico que posso, informo. Afinal, o computador também faz feriado e ninguém num restaurante pode anotar um pedido a lápis. Isso é tão anacrônico quanto fazer qualquer soma ou subtração de cabeça, no comércio carioca. Ninguém vive sem computador, sem calculadora e sem empregar erroneamente o gerúndio, caprichando na fala anasalada, tentando um sotaque paulistano que algum gênio do telemarketing considera a mais polida forma de tratar um cliente. Lógico que há exceções. A Vivo não tem atendentes com tal sotaque, pois eles ficam na Bahia e só faltam bater na gente por telefone. Meu celular pode ser cortado porque não recebi a conta do mês passado e, portanto, não a paguei. Problema meu. Deveria ter sido previdente e, ao perceber que a conta não vinha, correr a uma loja da Vivo para pegar uma segunda via.
O problema é que minha rotina de incessante contribuinte de empresas públicas me atordoa a ponto de eu não saber o que foi pago ou não. Algumas vezes, pago duas vezes a mesma conta. Como aconteceu com a Light. Paguei duas vezes a conta de agosto. Então, fui avisada de que poderia ter a energia cortada, pois o pagamento duplicado foi compensado em ... outubro, não em setembro. A lógica dessas compensações não me compete descobrir. Melhor pagar a conta atrasada sem chiar para não gastar tanta energia própria.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bom de ser autônoma é que a gente não se preocupa se é ou não feriado. Se dá praia a gente vai, seja segunda-feira ou quinta. Ou se trabalha sábado, domingo, quando não dá praia e se tem trabalho (o que nem sempre acontece) ou se continua escrevendo a própria obra (quando não se está sofrendo de bloqueio)

Olga de Mello disse...

Um amigo, ao se aposentar, disse que as tardes de sextas-feiras haviam perdido a poesia...
Mas eu adoro trabalhar, embora gostasse MUITO de curtir a vida adoidado sem precisar ganhar o pão de cada dia.