1.4.06

Caiu, caiu, caiu no primeiro de abril!!!!

Não sabia qual era a origem do primeiro de abril e, segundo a Wikipedia, ele surgiu na França, em 1564, como protesto contra a troca do ano novo, que desde o começo daquele século era comemorado em 25 de março, junto com a chegada da primavera, com festas que duravam uma semana e se encerravam em 1º o de abril. Com a adoção do calendário gregoriano, alguns franceses continuaramm festejando o réveillon em março. Daí, começou a brincadeira "plaisanterie", de mandar presentes estranhos aos que insistiam com a data antiga, que também recebiam convites para festas inexistentes.
Não confio muito na Wikipedia e fui conferir em outros sites, que confirmam a lenda. Inclusive linkei um site galego - está em português, felizmente; li um jornal uma vez que me deixou completamente tonta, dos galegos do Hospital Espanhol - no qual há diversar informações sobre a origem da data, com destaque para sua passagem em diversos anos. Em 1964, lá está a Redentora, como o Stanislaw Ponte Preta apelidou o golpe militar no Brasil.
Uma das mais antigas lembranças que tenho é desse dia. Não é a mais antiga porque me recordo - bastante bem - do dia em que Kennedy morreu. Como toda criança, a memória é por fatos diversos da data histórica. Em novembro de 1963 eu havia acabado de completar três anos e seguia com minha mãe para a inauguração de uma escola em Copacabana. Teria uma festa, um parquinho também seria aberto e Lacerda, que era o governador da época, estaria lá. Eu estava serelepe para ver o governador. Meus pais, até então, eram lacerdistas (deixaram de ser com a Redentora). Os amigos deles diziam que eu seria batizada como Jamila, a sigla para Janio, Milton e Lacerda, chapa da UDN eleita em 3 de outubro de 1960, véspera de meu nascimento. Escapei por pouco, ganhei o nome de minha avó materna. Então, três anos depois, lá seguíamos para o parquinho, quando, me recordo bem, Mamãe deu meia volta e começou a chorar. Estranhei, ela explicou que não haveria mais festa, porque haviam assassinado o presidente dos Estados Unidos. Tentei animar a Mamãe, uma emotiva de carteirinha, que chorou copiosamente quando um maluco quebrou a Pietá de Michelangelo. Isso era mal de família. Vovó Olga cansou de ser consolada em enterros de conhecidos, nos quais se esvaía em lágrimas. Todas nós temos a torneira aberta. Eu choro em comercial de caderneta de poupança, um horror. Cinema, então, é vexaminoso. Tenho que me recompor antes do fim do filme. Chorei até na abertura de "Guerra nas Estrelas" - no quarto filme, o que tem o Anakim bonitinho criancinha - só porque estava me lembrando que vinte anos antes, vira o primeiro filme da série e naquele momento levava meus filhos para assistirem o que seria uma bela decepção cinematográfica.
Meses depois da morte de Kennedy, veio a dita revolução. Eu ainda era bem pequena e nem estava no colégio. Por alguma razão que não entendi, Mamãe não trabalhou naquele dia e resolveu ir para a casa de Tia Zélia, em Copacabana. Acho que vi soldados na rua, mas não havia muita explicação sobre o que estava acontecendo. Só me lembro que era dia e que os adultos não estavam trabalhando. Todos estavam preocupados, não tinha nada para eu fazer. Então, fui para o banheiro de Tia Zélia e fiz uma festa com a maquiagem dela. Passei batom e ouvi que Papai estava chegando. Depois, vim a saber que ele decidira ir trabalhar, embora muita gente não tivesse ido. Fui mostrar minha cara macacada para ele, que se zangava se eu usasse qualquer maquiagem. "Olha, Papai, passei batom!". Ele sorriu, fez uma festinha em minha cabeça e continuou conversando com Mamãe e meus tios.
As implicações daquele dia só fui descobrir ao longo dos anos de chumbo. O filho de um amigo morreu aos 17 anos porque ingressara na luta armada. O pai era anarquista, aceitou a escolha, mas não a perda do filho, claro. Uma prima também foi morta porque pegou em armas.
A família, em geral, era conservadora e de direita, mas meus pais eram totalmente contrários à ditadura, tinham horror à propaganda do Brasil Grande e à censura. Devia ser muito difícil educar um filho naquela época, quando qualquer atitude poderia ser considerada um atentado à segurança pública. Lembro-me de discussões acaloradas entre Mamãe, a passionária da família, e um sobrinho militar que apoiava o golpe. Quando começaram a surgir as listas de militares envolvidos com tortura, suspirávamos aliviadas ao conferir que ele jamais estava nelas. Não sabíamos se, ao concordar com a filosofia anti-comunista, ele também participaria das maldades perpetradas em nome da falsa paz social.
Uma época difícil, mas que, como era a da minha infância, teve um sabor muito agradável. Eu pulava carnaval, brincava, ia à praia e ouvia histórias de outras ditaduras, de crianças obrigadas a jogar os livros de Monteiro Lobato em fogueiras, do soar de canhões nas serras distantes, durante a Revolução de São Paulo. Vivências políticas de meus pais, que geraram uma filha para nascer um dia depois de uma eleição, e que a ensinaram a rir de uma "revolução" que caiu num primeiro de abril.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tantas memórias você foi desfilando, e sem perder o rumo!
Eu, a memória que trago da Redentora: eu morava no interior de Minas, estudava num colégio de freiras. As freiras disseram: amanhã, todos na capela às sete da manhã (eu estava no turno da tarde), em uniforme de gala para missa em ação de graças.
- Graças por que, Irmã?
- Porque mais uma vez Deus salvou o Brasil das garras do comunismo ateu.
E pronto. Anos mais tarde, quando saí de lá para fazer faculdade , comecei a entender o que estava acontecendo. Tb perdi mtos e jovens amigos - e corri riscos tremendos pois, na ânsia de entender o mundo, não perdia uma passeata, nem uma reunião da Une.

Olga de Mello disse...

Minhas recordações são pouco precisas, né Marília, pois eu era pirralhíssima na época. O que me surpreende é que jamais esqueci disso. Talvez a reação dos adultos fosse tão intensa que marcou.
beijo,
OMM