26.5.06

No Valor, hoje


Eu gosto de futebol. Não tanto de acompanhar partidas - o que me deixa muito nervosa, exceto quando são as peladas do Rock Gol - , mas principalmente do arrebatamento que o esporte provoca. Acho interessante como os homens se infantilizam diante do jogo e como são bonitas as cores dos times, as fotos dos lances, o júbilo que uma vitória nos traz.
Como alguém voltada mais para o intelecto e até pelo fato de ser mulher, futebol sempre foi algo o mais distante possível de mim, embora eu estivesse nas ruas numa certa madrugada, lá se vão bons vinte e tantos anos, para comemorar a vitória do Flamengo sobre o Liverpool e sua sagração como campeão do mundia de clubes. E não dá para se distanciar tanto assim do futebol vivendo no Brasil. Parece que foi o Alex Bellos, o jornalista inglês autor de "Football, the brazilian way of life", que se espantou ao descobrir que no Brasil mesmo quem não gosta do esporte "tem" um time de futebol. É quase como dizer sua naturalidade. Sou carioca e flamenguista, sou mineiro e atleticano, gaúcho e torcedor do Internacional, paulista e corinthiano. No livro, Bellos destaca que os serviços funerários brasileiros incluem, muitas vezes, coroas com o escudo dos times ou as bandeiras dos clubes. Eu pensava que isso acontecia em qualquer lugar, até porque só os ingleses usam cachecóis com as cores de seus times. Bem, cachecóis, aqui, só de São Paulo para baixo, e eu não sei se usaria um do Figueirense, em Florianópolis.
Em tempos pré-Copa, a gente vê o futebol e a arte!

Copa rompe o preconceito

Por Olga de Mello, para o Valor
26/05/2006


Imbatível como traço de união cultural, social, afetivo e familiar no Brasil, prática desportiva que mais empolga as multidões mundo afora, o futebol era um tema timidamente explorado pela arte brasileira. Com exceção honrosa das artes plásticas e de uma razoável quantidade de canções populares que mencionam o jogo ou endeusam atletas, o futebol estava fora dos campos artísticos, com uma presença discreta nas telas de cinema e quase inexpressiva na literatura. Porém, às vésperas da 18ª Copa do Mundo, quando milhões de espectadores acompanharão as jogadas nos gramados da Alemanha, um previsível número de livros novos ou reeditados sobre futebol chegou as livrarias. Entre ensaios, crônicas, contos e até novelas, a surpresa para os leitores é que muitos dos títulos são de ficção.

Divulgação "Futebol" (1936), obra pioneira do paulista Francisco Rebollo Gonsales, pintor que chegou a jogar bola no Corinthians e depois no Ypiranga, em São Paulo

A literatura sempre demonstrou alguma resistência aos esportes em geral. Se a crônica esportiva criou seus personagens, como o Sobrenatural de Almeida de Nelson Rodrigues, a ficção demorou a incorporá-los. Talvez por motivos diferentes dos alegados por Lima Barreto, que atacava violentamente a prática do esporte com uma xenofobia assumida, chegando a criar, em 1919, a "Liga contra o Football". Graciliano Ramos apostava que o jogo seria apenas um modismo passageiro. Ambos foram vencidos e, enquanto o futebol deixava de ser um esporte de elite para conquistar as classes populares, também arrebanhava uma legião de admiradores entre os intelectuais. Hoje, ao lado de ensaios sobre o esporte, histórias que têm sua trama centrada em jogadores de futebol já chegam às livrarias. É assim em "O Paraíso É bem Bacana", de André Sant'Anna, que conta a saga de um astro de futebol, e em "Vai na Bola, Glanderson!", de Hélio de la Peña, centrado na história de um menino suburbano, que pode vir a se tornar uma estrela do esporte.

Para Clara Arreguy, que acaba de lançar "Segunda Divisão", sobre as 24 horas que antecedem a final de um campeonato fictício de times pequenos, foi exatamente a popularização do futebol que o distanciou dos escritores. "A carência de produção cultural em torno do futebol é apenas preconceito contra o que se imagina como uma manifestação inferior", diz Clara, lembrando que passaram-se cerca de 60 anos desde a chegada do futebol ao Brasil para que ele merecesse estudos antropológicos. "Por isso demorou tanto até existir uma produção ficcional sobre o futebol, embora a cultura brasileira seja uma devedora do esporte."

Na introdução do recém-lançado "22 Contistas em Campo", o organizador Flávio Moreira da Costa diz que a ausência do futebol como tema na literatura brasileira poderia ser explicada porque o esporte seria uma expressão em si mesma, tanto no Brasil quanto em outros países: "E se o futebol é uma expressão em si mesma, toda outra expressão estaria condenada a se diluir. Como se fosse um discurso sobre o discurso, redundância, imagem enfraquecida". O escritor Sérgio Sant'Anna não se acanhou diante da imensidão da expressão futebolística, citando as estrelas dos gramados em contos, até criar um personagem que é jogador de futebol na novela "Miss Simpson" - cuja adaptação cinematográfica por Bruno Barreto, "Bossa Nova", rendeu cenas hilariantes sobre o aprendizado de palavrões em inglês. A dobradinha entre literatura e cinema está em "O Medo do Goleiro na Hora do Pênalti", novela do alemão Peter Handke, filmada por Wim Wenders. O protagonista é um ex-goleiro que comete um crime. Além do personagem, a novela tem um dos mais expressivos títulos na tradução de um sentimento diante da vida/esporte. Algo que também era mostrado pelo inglês Nick Hornby, em "Febre de Bola", coletânea de crônicas que relacionam o cotidiano ao amor pelo futebol, e que inspirou uma bem-sucedida adaptação cinematográfica.

No cinema nacional, o jogador de futebol teve destaque em raras produções. Em 1980, "Asa Branca - Um Sonho Brasileiro" falava da ascensão de um aspirante ao estrelato nos campos. Em 1984, o futebol é o pano de fundo para a tortura e as perseguições políticas em "Pra Frente, Brasil", de Roberto Farias. Numa época politicamente mais amena, o nostálgico "Boleiros - Era uma Vez o Futebol", de Ugo Giorgetti, levou um público de apenas 60 mil pessoas aos cinemas brasileiros, em 1998. Já "O Casamento de Romeu e Julieta", de Bruno Barreto, sobre o romance entre um casal que torce por times diferentes, foi visto por quase 1 milhão de espectadores.

Uma das teses para a pouca empolgação que a ficção sobre o futebol provoca nas telas é que as jogadas em campo parecem falsas, mesmo quando coordenadas pelo mestre John Huston, que se arriscou a filmar o esporte em "Fuga para a Vitória", que reunia os atores Michael Caine e Max von Sydow aos jogadores Pelé, Ardilles e Bobby Moore. Os craques interpretavam prisioneiros dos nazistas que vão se enfrentar num jogo armado para demonstrar a superioridade dos alemães. A luta de prisioneiros e seus guardas também está na comédia inglesa "Penalidade Máxima" (Barry Skolnick, 2001), que mostra um torneio dentro de uma penitenciária, com jogadas mais modestas, mas que também pecam pelo excesso coreográfico. "A Aposta" (Mick Davis, 1999), outra produção britânica sobre a disputa entre freqüentadores de dois pubs que demonstram maior empenho em se regalar de cerveja do que em correr atrás da bola, não apresenta um futebol brilhante, mas mostra o quanto o esporte está inserido no cotidiano do homem comum. Mas o enlevo despertado pelo futebol talvez tenha sido melhor representado em "A Copa" (Khyentse Norbu, 1999), produção do Butão, enfocando a epopéia de dois meninos que fazem de tudo para conseguir assistir aos jogos da Copa de 1998 dentro do monastério budista onde vivem.

É em outras telas que as manifestações e os conceitos representados pela paixão nacional vêm sendo retratadas há muito, ora com um olhar carinhoso sobre a infância disputando bolas em campinhos, como fizeram Portinari e Teruz, ora mostrando os lances profissionais baseados na própria experiência do artista quando jovem, caso de Francisco Rebolo, um ex-jogador de futebol. Djanira, Aldemir Martins e Rubens Gerchman são alguns dos artistas de renome que se debruçaram sobre torcidas e times para captar o impacto causado por jogadas coletivas e individuais.

O espaço privilegiado que o futebol ocupa na pintura também lhe é reservado na música popular brasileira, que o acolheu como tema, mesmo se fosse apenas para dar nome a uma canção instrumental. Em 1919, Pixinguinha e Benedito Lacerda lançavam o chorinho "1 a 0", que só ganhou letra, escrita por Nelson Ângelo, 74 anos depois, com licença das famílias dos compositores. A intimidade do futebol com a música talvez venha do casamento de seu pai oficial no Brasil, Charles Miller, com uma pianista, Antonieta Rudge, que, em viagens com o marido, costumava apresentar composições brasileiras.

Chico Buarque, um apaixonado torcedor do Fluminense, falava da alegria do homem comum com seu time em "Bom Tempo" ("Satisfeito, a alegria batendo no peito/ o radinho contando direito/ a vitória do meu tricolor/ vou que vou") ou comentava a situação do país em "Meu Caro Amigo" ("Aqui na terra estão jogando futebol/ tem muito samba, muito choro e rock'n'roll"). Já o rubro-negro Jorge Ben fazia a exaltação do atleta em "Fio Maravilha", um sucesso nacional que descrevia a atuação do jogador durante uma partida. O maior ídolo do Flamengo não foi esquecido por Jorge Ben Jor, que homenageou Zico em "Camisa 10 da Gávea". Hoje, o título de porta-vozes musicais do esporte ficou com os roqueiros do Skank, que exaltaram a "coisa linda" que "é uma partida de futebol".

7 comentários:

Anônimo disse...

Olga, discordo de sua afirmação de que nãoé muito ligada em futebol por ser mulher e voltada para o intelectual. Na minha família nãotem disso não. Minha mãe, já velhinha e muito doente, passava mal em dia de jogo do Fluminense, mesmo já não podendo ir aos jogos. Já fui ligada a futebol também, do tipo que vai ao Marcanã carregando bandeira e vestindo camisa do time - Fluminense, é claro. Por problemas com o ex-marido - que àquela época ainda nãoe era ex -, botafoguense doente, fui dexiando de ir aos jogos, perdi o hábito. Ser intelectual também não é impedimento. Meus irmãos e meu sobrinho - todos três escritores - trocam diarimaente e-mails exclusivamente sobre futebol, e, é claro outra vez, o Nense,êêêê.

Anônimo disse...

Já que sou a pior digitadora do mundo, e disléxica ainda por cima, deveria sempre conferir os comentários antes de publicar. Que vergonha o meu comentário... Deveria haver um meio de a gente editar as barbaridades que escreve.

Olga de Mello disse...

Primeiro: a gente sempre bate tudo errado e não relê quando está entusiasmada, Sonia, então, você está mais que aceita enquanto disléxica honorária, pois mais vale um comentário aguerrido do que um "legal o q vc escreveu"!
Segundo: falo do senso comum das mulheres brasileiras e de boa parte dos intelectuais que, mesmo com um distanciamento por vezes físico do esporte, acabam se rendendo a ele, claro! E há famílias mais entusiastas por futebol do que as outras. A de minha mãe, por exemplo, é absolutamente indiferente, embora todos sejam Fluminense. A grande maioria das mulheres não gosta de futebol, isso é fato. Hoje, que os atletas são pop stars, está entrando na moda mulher achar bonitinho o jogo, falar engraçadinho, e, se possível, pescar um jogador. Mas não era a regra na minha juventude, não, embora eu mesma tivesse primas que adorassem um Maracanã. Sabe que quando escrevi, pensei logo: "Ih, Sonia vai se manifestar", pois sei o quanto vc gosta do dito esporte bretão. Eu, por minha vez, sou isso aí: assisto aos jogos ou fico tão irritada que tenho que sair de perto, mas gosto bem mais do enlevo, da sensação, da paixão do que das partidas em si.
beijo!

Olga de Mello disse...

Ah, eu também tenho ex-marido botafoguense. Um carma difícil de aturar...

Anônimo disse...

Pelo jeito você me conhece bem, se já sabia que eu ia dar um palpite.

Olga de Mello disse...

Palpites mais que bem-vindos, Sonia! Adoro sua forma inflamada de reagir! Detesto gente sem sal, sem opinião. Aliás, os Sant'Anna que não são amigos têm entrado nas matérias, né? Estou bolando uma pauta sobre romances históricos. Adivinha quem pretendo entrevistar?

Olga de Mello disse...

Não apenas pelo parentesco, visto a belíssima performance do Figueira no campeonato, ora! E afinal, eu sou Figueirense também!
beijo