30.9.06

Sobre santos e sobre luto


Amanhã faz cinco anos que minha mãe morreu, por volta de 17h, após uma convalescença de quase um ano.
Tenho que escrever uma matéria sobre pessoas que deixam lições de vida ao saber que estão para morrer.
O dia cinzento e chuvoso é perfeito para manter a temperatura dos enlutados.
Melhor do que se fizesse um sol forte, um céu abertamente azul, daqueles que acinzentam ainda mais as nuvens de quem está nublado na alma.
Minha bisavó morreu no dia 2 de outubro, dia dos santos anjos, contava sempre Mamãe. Minha bisavó era devota dos santos anjos.
Meu pai, que nunca foi lá muito religioso, simpatizava com São Francisco, o mais hippie dos santos. Nasci no dia do Poverino, o homem que amava o sol, a lua e os animais. E, certamente, os pastéis de Santa Clara.
Meu tio favorito nasceu em 26 de março e morreu num 25 de março.
Shakespeare parece que nasceu e morreu no mesmo dia, 23 de abril, dia de São Jorge. Como a vida dele é nebulosa, não se sabe realmente se ele nasceu no dia do santo da Inglaterra.
Talvez algumas pessoas decidam o melhor dia, o melhor momento para morrer.
Quando mamãe morreu, uma amiga falou: "Foi o presente de aniversário dela para você. O fim dessa angústia". Mal sabíamos que dali para a frente, a angústia só cresceria.
Cinco anos depois, a serenidade invade meu coração.
O livro de Joan Didion sobre a perda do marido, "O Ano do Pensamento Mágico", fala sobre a desacralização do luto, de como a sociedade contemporânea exige que nos ocupemos e nos distraiamos imediatamente após a morte de alguém querido. Não nos trajamos de negro, tomamos Prozac, precisamos superar a dor.
Mas cada organismo tem seu tempo.
Nesses últimos cinco anos sofri por perdas anteriores, pai, tio, melhor amiga, amores.
Hoje é o momento de acender uma vela e celebrar o fim do luto.
Sete anos antes, comemorávamos antecipadamente meu aniversário. No dia seguinte, havia eleição, e eu não conseguia me mexer de tanta ressaca. Convoquei Mamãe para cuidar dos meninos e botar minha casa em ordem até que eu tivesse forças para me arrastar até a seção eleitoral .
Hoje, minha filha pegou uma foto em que eu e Mamãe estamos na festa, às gargalhadas.

Hoje, quero apagar o tempo que Mamãe passou hemiplégica, sem determinar a própria vida.
Hoje, quero lembrar dela plena, rindo, cuidando de todos nós.
Hoje, quero ser plena, rir e cuidar dos meus.
(legenda da foto: M. Célia, Mamãe, Jacques e Marcelo, festejando meus 39 anos. Eu bati a foto - sem tanto foco assim, pois o teor alcoólico foi considerável)

2 comentários:

Anônimo disse...

Perder dói sim, mas faz parte da vida. O que não serve de consolo algum.

Anônimo disse...

E o que a gente faz com essas saudades que vão se acumulando?