22.12.06

O ano sabático de meus filhos

Durante o ano letivo de 2006, em vista da bancarrota financeira que me acometeu, matriculei meus filhos na melhor escola pública municipal da região que compreende Botafogo/Lagoa/Urca. Sem querer fazer deste texto um relato pessoal, vou às observações que colhi ao longo do ano inteiro e os motivos para desacreditar totalmente no ensino público de 1a a 8a séries na cidade do Rio de Janeiro.
- Na primeira reunião de pais, soube que alunos mentem e fogem do colégio, portanto, devem ser questionados e vigiados na medida do possível.
- Televisão e DVD da escola são mantidos dentro de uma jaula fechada com cadeado - isso porque as escolas do Município são vítimas de constantes assaltos, não por causa dos alunos.
- Na mesma reunião falou-se sobre freqüência dos alunos, mas não sobre proposta pedagógica.
- No primeiro mês de aulas, recebi telefonemas de empresas interessadas em contratar meu filho de 13 anos para "inseri-lo no mercado de trabalho" como office-boy, graças a um convênio que as escolas top de linha, ou seja, na qual os alunos respeitam a integridade física e moral do corpo discente e dos parcos funcionários de apoio, mantêm com tais firmas.
- Em dois bimestres sem abrir um só livro, meu filho já havia passado de ano, exceto em Educação Física, onde seus conceitos nunca foram muito além de regular; no restante, foi uma coleção de "ótimo", "muito bom" e "Excelente".
- Minha filha, sem qualquer esforço, levou o ano inteiro brincando e com conceitos regulares. Foi aprovada embora tivesse passado de ano com dependência em Matemática; isso porque reprovação só existe para quem levar bomba em três matérias.
- Pela primeira vez em toda a vida letiva de meus filhos, eles não precisaram ler nenhum título literário ao longo do ano.
- A professora de Matemática adoeceu e ficou dois meses sem ir à escola. O conceito dado no bimestre anterior foi repetido para todos os alunos daquela turma.
- Todos os professores faltam religiosamente ao menos uma vez ao mês.
- Na ausência do professor, o aluno é dispensado e pode voltar para casa, se for nos últimos tempos - as aulas não são repostas, nem há substituição daquele professor.
- A diretora e as professoras se revezam na abertura dos portões: não existe zelador nem porteiro no colégio.
- Palavras da coordenadora pedagógica: "Fornecemos diplomas para que os alunos acabem como caixas de supermercado. Infelizmente, o sistema é esse. Aqui não tem bandido, mas não podemos exigir nada do aluno em termos de aprendizado. E somos top de linha dentro da região. Ano que vem será pior, pois a Prefeitura adotou a aprovação automática em todas as séries".


Minhas conclusões:

- À escola pública do Município não cabe ensinar, mas educar seus alunos para que saibam se comportar a serviço dos cidadãos de primeira classe. Eles estão ali para conhecerem seu lugar.
- Ao fechar convênios para levar crianças ao mercado de trabalho, a escola está se distanciando do ensino, enquanto enfatiza que seu aluno é um futuro servidor das elites.
- Algumas instituições, como o Ceasm, na Maré, dá reforço escolar para os meninos pobres irem para a universidade. E conseguem que eles se formem, sim. Mas os meninos não podem trabalhar.
- Enquanto abrimos cotas, não existe reforço no ensino público fundamental. Precisamos abrir cotas, sim, mas garantirmos que o ensino fundamental seja compatível com o que é oferecido nas escolas particulares. Se o conteúdo é, teoricamente, o mesmo, e se os professores também são os mesmos, muitas vezes, aonde está a diferença? Apenas no que é exigido do aluno. Embora a escola particular também esteja sofrível e faça de tudo para o aluno passar de ano sem tanto esforço, ainda existe preocupação com a integridade física dos estudantes e com a reposição de dias perdidos de aula. Isso porque existe uma relação comercial entre famílias e instituições.
- Uma professora com 30 anos de Município me contou que a Prefeitura quer manter as aprovações lá em cima para obter verbas do Banco Mundial. Por que o Banco Mundial não fiscaliza a qualidade desse ensino ou a forma como se aprova o aluno? Ora, por que será?
- A meus filhos caberá fazer cursinho suplementar para cursarem o Ensino Médio em uma boa escola particular ou nos colégios federais que ainda prestam. Em casa têm acesso a conhecimentos que seus colegas sequer sonham. E os sonhos... bem, a todos restam apenas os sonhos.

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