21.1.07

Sofre o efêmero


John Boorman é um realizador irregular, um Brian de Palma mais brilhante. Às vezes, ele é perfeito, sensacional, como com 'Excalibur', 'Deliverance' ou o doce 'Esperança e Glória', o corretíssimo 'Alfaiate do Panamá'. Trabalha sempre com bons elencos, mas, vez por outra, dá umas escorregadas brabas, como um filme passado em Ragun, com a Patricia Arquette. Começa bem e, lá pelas tantas, perde a mão - o que é totalmente aceitável, já que seus gols estão acima da média.

Foi assim com o "Country of my Skull", drama passado na África do Sul após a queda do apartheid. Samuel L. Jackson é um jornalista americano que vai cobrir os depoimentos públicos de ex-policiais torturadores. Juliette Binoche é africaner e representa a branca liberal, que luta pelos direitos iguais, apesar da resistência da família. E aí está a falha da história. A mulher, super bem casada e feliz, tem ataques histéricos ao descobrir a crueldade que o regime racista cometeu contra os negros. O fato de ter um caso com o Samuel L. Jackson também é bem sintomático de sua necessidade de se entregar aos novos tempos (mas não a um conterrâneo, claro. Com esses, ela só dança uma música local, naquela cumplicidade que une favelados ao povo do asfalto no carnaval; sexo, que é bom, só com o representante do novo imperialismo). Completa o elenco o irlandês Brendan Gleeson, um daqueles britânicos ruivos grandalhões, gordos e magníficos, que se desdobram em papéis de padres, mafiosos, pais de família, donos de bar, professores universitários, políticos, roqueiros, artistas plásticos, guerreiros, guerrilheiros, comunistas, reacionários, alcoólatras, puritanos, tudo com a mesma intensidade e competência.

A escorregada do filme está mesmo no personagem - não na atuação - de Binoche.

"Country of my Skull" me trouxe uma outra reflexão. Sobre aquela aristocracia rural dos africaners, que viram o regime mudar, o mundo mudar e tiveram que se adaptar às novas regras. Se eram ou não racistas, não importa. O que me levou à microscópica identificação com eles foi a sensação de que o tempo passa e que não é possível acompanhar todas as inovações.

Pertenceram a outro mundo, não ao atual.

Às vezes, me vem a mesma sensação. A sociedade que se expõe o tempo todo, que busca chamar a atenção, que precisa aparecer e ser catalogado como pertencente a uma tribo, da mesma maneira que adolescentes, não é o mundo ao qual eu deveria pertencer. Meu mundo seria mais vagaroso, mais dolente e discreto, sem a preocupação de utilizar uma embalagem, um rótulo. O asiático que enverga roupas ocidentais e colore os cabelos é um símbolo tão efêmero quanto o tempo que já passou no momento em que escrevo estas palavras. O mundo continua desigual, a África do Sul que sofreu com o apartheid hoje sofre com a epidemia de Aids. Daqui a 20 anos, o ser de óculos pequenos e tatuagens cobrindo o corpo fará reflexões semelhantes a esta...

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