3.6.08

Sobre jornalistas

Em carta dirigida à categoria, sobre o seqüestro e tortura de uma equipe de reportagem do jornal O Dia por integrantes de uma milícia em Realengo, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio e a Fenaj fazem duras críticas aos responsáveis pelos veículos de comunicação, a quem acusam de expor a vida dos seus profissionais. “Para cumprir seu papel de informar, o jornalismo não pode ignorar que a vida é, de todos, o prêmio mais precioso”, diz a carta. O documento lembra que o Sindicato dos Jornalistas luta há cinco anos pela instalação de comissões de segurança nas redações para fiscalizar medidas de proteção e avaliar riscos de cada cobertura. “Os patrões, de forma irresponsável, se recusam a dialogar, deixando à mercê da sorte a vida de dezenas de profissionais que denunciam o estado paralelo no Rio de Janeiro.”

A carta na íntegra:

CARTA AOS JORNALISTAS

Após seis anos da tortura e assassinato do jornalista Tim Lopes na Vila Cruzeiro, o Rio de Janeiro volta a ser agredido por outro episódio brutal envolvendo profissionais da imprensa. Desta vez, uma equipe do jornal O Dia foi seqüestrada e torturada durante sete horas, quando fazia reportagem sobre milícias na favela do Batan, em Realengo. Tim foi vítima de bandidos do tráfico, enquanto a equipe de O Dia teve como algozes o braço paramilitar de um Estado no qual a infiltração do crime só faz avançar.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro luta há meia década pela instalação de comissões de segurança nas redações, formada por jornalistas que fiscalizem as medidas de proteção à vida e avaliem os riscos de cada cobertura. Os patrões, de forma irresponsável, se recusam a dialogar, deixando à mercê da sorte a vida de dezenas de profissionais que denunciam o estado paralelo no Rio de Janeiro.

Os profissionais do jornal O Dia merecem a solidariedade da população. Agiram movidos pelo desejo de denunciar o nefasto fenômeno da substituição do narcotráfico por bandos opressores do próprio Estado. A tortura de Realengo fez desmoronar a ilusão dos que acreditam em soluções clandestinas. Cumpre somente ao poder público a obrigação de dar segurança aos seus cidadãos. Não há outro caminho a não ser exigir dos homens públicos, que se submetem ao voto popular, a promoção da paz social.

A ousada operação para descrever a rotina de uma comunidade dominada pelas milícias pôs em risco a vida dos profissionais envolvidos. O Sindicato e a Federação Nacional dos Jornalistas protestam contra a decisão da empresa de expor seus trabalhadores a tamanho risco. É inaceitável que a tragédia de Tim Lopes, da TV Globo, não tenha conscientizado as empresas de que nenhuma denúncia ou prêmio de Jornalismo vale uma vida.

É preciso encontrar um meio de a imprensa cumprir seu papel de informar com responsabilidade, garantindo a integridade de seus jornalistas. É assim, com segurança, que o Sindicato defende a união dos veículos de comunicação para dar uma resposta vigorosa aos bandos de milícias que oprimem as comunidades sob a certeza da impunidade.

O pior caminho para a imprensa será deixar que a tortura de Realengo atinja o objetivo dos torturadores: calar o jornalismo. Para denunciar o equívoco das milícias, no entanto, não é necessário manter repórteres por duas semanas em territórios controlados por assassinos profissionais. A técnica de infiltração é própria de polícias com instrumentos de alta tecnologia, após treinamentos intensivos de meses ou até anos. Não é tarefa para jornalistas.

O Sindicato e a Fenaj esperam que o episódio de Realengo desperte a consciência dos donos e diretores dos meios de comunicação para que não mais busquem a audiência expondo a vida de seus profissionais e discutam com responsabilidade as reivindicações da categoria, representada por esta entidade. Para cumprir seu papel de informar, o jornalismo não pode ignorar que a vida é, de todos, o prêmio mais precioso.

Rio de Janeiro, 2 de junho de 2008

Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro

Federação Nacional dos Jornalistas

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