19.10.08

A dor




Começa o horário de verão e eu no jet lag, sem saber se estou uma hora atrasada, adiantada ou se virei pontual.
O atordoamente deve-se também ao anúncio da morte cerebral da menina baleada por um ex-namorado desprezado.
Cada vez que um jovem morre, leva consigo a família. Há cerca de um mês, morreu Cleyde, a mãe de Gabriela, uma menina de 14 anos, vítima de um tiroteio no Metrô carioca, cinco anos atrás. Entrevistei Cleyde uma vez, sobre violência urbana. Depois de perder Gabriela, a mãe dedicou sua vida a consolar outros parentes de mortos nesta guerra diária. Até sofrer um derrame violento, aos 51 anos.
A jovem paulista morreu nas mãos de um desses birutas que surgem e deixam a sociedade surpresa e revoltada com seus frutos podres. O rapaz, que tinha ficha limpa até anteontem, parece que cometia pequenos furtos. Vai aparecer muita explicação para o comportamento desatinado dele, provavelmente oriundo de uma família disfuncional.
Estava lendo a autobiografia do Eric Clapton (é, tentei ler há tempos, mas tive que ir para a lista de espera, depois de meu filho, que arrebatou o livro de meu poder), que passou a infância e juventude traumatizado ao saber que seus pais eram, na verdade, seus avós. A mãe biológica era sua irmã, que engravidara de um namorado ocasional na adolescência. Clapton sempre teve um comportamento arredio, exceto em relação à mulherada - não deixava escapar nenhuma que se jogasse em seu caminho de pop star - , foi dependente de drogas pesadas e ainda acumulou a dor de perder um filho acidentalmente de maneira pavorosa. Deu a volta por cima, sossegou, amadureceu e hoje já nem é mais o músico que encantou a mídia e multidões de fãs. Mas superou seus próprios fantasmas.
O rapaz de Santo André é um desequilibrado que se encaixa perfeitamente no quadro caótico dos enfants terribles exibicionistas que produzimos em massa. A Polícia comprovou sua inabilidade para resolver um caso de seqüestro, embora tenha livrado dois dos reféns nas primeiras horas de cativeiro. A imprensa ainda será apontada como culpada pelo circo armado na cobertura. A família da Eloá será indenizada pela morte da filha. A estupidez disso tudo, no entanto, sobreviverá.

2 comentários:

Miguel Andrade disse...

Olga, minha querida (devo eternamente isso ao Joka P.), não sei se pior é o fato em si, ou o grande circo nacional que transformam tragédias como esta! Não faço idéia do que seja perder um filhinho, mas só pelo amor que derramo pelos meus bichinhos, faço uma vaguíssima idéia! Não sabia da morte da Cleyde! Tudo muito estarrecedor, e o pior é a sensação e que faço pouco...

Olga de Mello disse...

Tem uma frase, parece que é do Stalin, que resume essa sensação: A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de centenas é estatística.
Se formos pensar no absurdo que é a morte silenciosa de velhos abandonados pelas famílias, crianças de rua, mortos em guerras absurdas, a comoção pelo assassinato horrível desta menina seria pequeno.