13.10.10

A Bastilha

Os principais argumentos contra Dilma Roussef na presidência da República que ouvi até agora são sua falta de carisma, sua inexperiência (em quê?), o passado guerrilheiro e pertencer ao partido que teria entronizado a corrupção no poder.
Por mais que eu ache as feições da candidatas muito estranhas no pós-plástica, desde quando carisma é quesito administrativo?
Alguém que já foi secretária de governo estadual e está há oito anos em dois dos principais ministérios do país é inexperiente?
Combater em guerrilha é indigno? Não que eu veja heroísmo em guerras, mas nelas se admite a tortura e o assassinato com o respaldo estatal. Imoralidades como a invasão do Iraque não provocam os mesmos espasmos de ira nos que atacam os ex-guerrilheiros brasileiros, que tentavam derrubar do poder quem não fora eleito para governar a nação.
Reconheço que o PT perdeu a aura santificada quando chegou ao poder e passou a utilizar os mesmíssimos conchavos, costurando alianças espúrias como TODOS os governos anteriores. Não que isso justifique a corrupção. Mas houve uma alternância na roubalheira. Exatamente como havia antes.
Há outros argumentos também. Um deles prega a alternância partidária no poder. Caramba, ficamos décadas sem presidente eleito e agora estamos doidinhos por alternância no poder? O "aparelhamento" do Estado, isso jamais existiu? O loteamento de cargos foi invenção petista? A diferença do PT para os demais partidos é que ele tinha princípios, cara, diferença dos demais agrupamentos. Hoje, é apenas mais um partido.

Doloroso, para mim, como cidadã, é perceber que aparentemente a redução da miséria e da pobreza agride tanto uma classe média que não perdeu nem empregos nem poder aquisitivo. Classificar como populistas programas efetivos de redistribuição de renda é o mesmo que considerar a pobreza e a ignorância opção de quem delas padece. Está na hora de percebermos que somos apenas os felizes resultados do acaso biológico. Por isso mesmo temos o dever de ampliar as possibilidades dos que não nasceram em berços esplêndidos, para que eles também tenham o direito a uma educação de qualidade, a serviços de saúde decentes e a uma vida fora da mais absoluta indigência.

Este olhar que menospreza o invisível, que odeia o pobre, que rejeita o que emana do zé povinho é tão anacrônico quanto os países de governos absolutamente autoritários. Dilma é perigosa porque vai trazer a ditadura do proletariado ao país? Ora, me poupem! Esta Bastilha imaginária não há de cair. Mas o pensamento discricionário, este sim, quem sabe, um dia desaparecerá.





2 comentários:

RC disse...

Anos e anos de desigualdade criaram nas classes "privilegiadas" (circunstancialmente) brasileiras uma idéia de que a riqueza está na diferença e não em algum valor absoluto. Daí que no Brasil não se aceita a realidade brasileira, em que um engenheiro de multinacional ganha quatro vezes o que ganha um empacotador de supermercado. Aqui é preciso sempre, como medida de sucesso e realização, ganhar 20, 30 vezes mais que o empacotador, ainda que seu dinheiro seja suficiente para viver com (bastante) conforto.

RC disse...

Leia-se, acima, "realidade européia".