22.12.10

Resenha/entrevista sobre o interessantíssimo "Arte & Dinheiro", que saiu esta semana no Valor.

Valores :

A relevância do dinheiro no mercado de arte

Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
21/12/2010

"Arte & Dinheiro"Katy Siegel e Paul Mattick. Tradução de Ivan Kuck. Zahar. 223 págs., R$ 89,00

Através dos séculos, dinheiro e arte estabeleceram um relacionamento delicado. Enquanto a arte pode gerar conforto, fortuna e prestígio para criadores e patrocinadores, o dinheiro, geralmente, é um componente que interessa à produção artística. Definir os limites dessa relação e quando o dinheiro passa a ser tema - ou se transforma em objetivo - da arte são algumas das reflexões suscitadas por "Arte & Dinheiro".

"Cada vez mais o julgamento do valor da arte contemporânea se assemelha ao comportamento do mercado financeiro. Os rumores definem valores. Alguns trabalhos acabam sendo avaliados a partir do preço, o que não é, originalmente, o propósito da arte", observa o economista Gustavo Franco, que assina o prefácio.

A relevância do dinheiro para a arte contemporânea pode ser resumida através da epígrafe escolhida pelos autores, uma citação do crítico de arte e historiador Paul Ardenne: "A principal preocupação de nossa época - a economia - é, para a arte de hoje, o que o nu, a paisagem ou o mito do novo foram, em seu tempo, para o neoclassicismo, o impressionismo e a vanguarda: tanto um estímulo à criatividade, quanto um tema ao gosto do momento". Segundo a crítica de arte Katy Siegel e o professor de filosofia e jornalista especializado em economia Paul Mattick, a volta à moda "ideológica da ideia de um mercado global autodeterminado e sem compaixão pelos fracassados", que teve especial relevância nas últimas duas décadas, garantiu à riqueza, ao consumo e ao prazer o status de valores publicamente aceitáveis. Entre os questionamentos invocados por "Arte & Dinheiro" está o caráter efêmero da produção de riquezas.

O uso de cédulas em trabalhos artísticos - como "Zero Cruzeiro", de Cildo Meireles - e aspectos menos concretos do valor do dinheiro surgem no livro, montado como uma exposição, com "salas temáticas" (capítulos) e um debate entre especialistas em arte no epílogo. A visão bem-humorada sobre a relação dos artistas com o dinheiro começa na capa, que traz o "Zero Cruzeiro" e a fotografia de cinco artistas dançando nas areias de uma praia das Antilhas, durante a chamada 6ª Bienal Caribenha. Promovido em 1999, o evento denunciou o vazio de reuniões semelhantes, que deveriam fomentar encontro de ideias e novas produções.

"A reunião no Caribe obteve patrocínio de diversas empresas, convencidas de que artistas de renome criariam obras destinadas àquele espaço, mas eles fizeram abertamente o que acaba acontecendo em eventos semelhantes. Passaram o tempo todo se divertindo e descansando", esclarece Franco, que sugeriu a inclusão de "Zero Cruzeiro" na capa da versão local, já que Cildo Meireles é o único brasileiro com dois trabalhos destacados no livro. A série de cópias de cédulas de cruzeiro é da década de 1970. Com efígies substituídas por figuras de índios e a assinatura do artista no lugar da chancela do presidente do Banco Central, as cédulas falsas tiveram uma grande tiragem, a fim de denunciar a alta inflação do período e também para diluir o valor da obra, "à semelhança do que o governo brasileiro estava fazendo com a moeda nacional", observam os autores. A instalação "Missão/Missões" (como construir catedrais) foi criada com 600 moedas, 800 hóstias e 200 ossos de boi, para remeter à violência da evangelização católica na América Latina.

As "salas" mostram grande variedade de atitudes e práticas artísticas, sempre refletindo sobre dinheiro, consumo, política e poder. Na sala "Negócios" estão agrupadas fotografias de comemorações de executivos pela fusão de empresas e outras mostrando pessoas nas filas de seguro-desemprego. A sala "Alternativas" tem trabalhos do cubano Felix Gonzales-Torres (1957-1996), que criava instalações com papéis de bala e incentivava os apreciadores de suas serigrafias a levarem um pedaço da obra para casa - sem nada cobrar por isso. Interagir com o público era a intenção do americano Rob Pruitt, que enfileirou uma carreira de cocaína sobre um espelho de cinco metros de comprimento no chão de uma galeria nova-iorquina, em 1998. Em questão de minutos os convidados consumiram a droga. Já o artista alemão Boris Becker trata de objetos ordinários que podem esconder a riqueza, ao fotografar quadros, sapatos e folhas de mata-borrão utilizados por traficantes de drogas colombianos para contrabandear cocaína.

Para Franco, a exposição proposta no livro ajuda o leitor a conhecer a arte contemporânea. "Há sempre um enredo para dar sentido às obras atuais. Esse sentido vai além do estético ou sensorial, não segue a lógica dos trabalhos dos velhos mestres românticos, clássicos ou renascentistas. Raramente se consegue compreender a arte contemporânea sem uma leitura, uma referência. Hoje, a discussão de conceitos se impõe, com temas que passam pelo fenômeno do valor atribuído a assinaturas em papéis, por exemplo. Muitos artistas estão discutindo um pouco do fenômeno da assinatura de um papel, que vale muitas vezes mais do que um trabalho artístico", observa o economista.

Um comentário:

Jôka P. disse...

ADOREI, Olga!!! Muito mesmo!
Bjs, Jôka