25.1.11

Visionária


Cheguei à estranhíssima fase da existência em que preciso botar óculos antigos para encontrar os óculos atualmente em uso - que são de armação transparente, invisíveis para minha miopia.
Comprei uma tela imensa de computador exatamente para descansar meus cinquentenários olhos. Letras imensas, tudo grandinho, o que nem exige mais que eu enverga a cangalha (que era como minha mãe chamava os óculos, furiosa com minha pouca visão que obliterava as íris verdinhas claras; no dia em que comprovou-se minha miopia, quando eu tinha onze anos, ela quase chorou, na saída do oftalmologista - na época, oculista mesmo: "O que vc tem de mais bonito ficará escondido, agora...". Eu, convencida de que era lindinha e inteligente, jamais liguei de usar óculos, embora arranque-os do rosto a cada fotografia. Porque, no fundo, no fundo, Mamãe tinha razão, claro. Como todas as mães.).
Desde que virei presbíope, uma classificação bem mais elegante do que "ter vista cansada", vivo uma confusão de perda de óculos. Mandei fazer um novo par a ser usado sempre que estou de lentes de contato. O problema é que me esqueço deles e sempre tenho que pedir a alguém para ler os cardápios nos botecos da vida. E, para a distância, mandei fazer uma cangalha branquinha, quase transparente. Que perco sempre que deixo de lado para ler sem óculos, já que, normalmente, enxergo muito bem, de pertinho.
Sinto-me como uma criança semi-alfabetizada que não consegue se entender com as linhas em que é obrigada a desenhar letras. Ou como um idoso às voltas com os incontáveis números de senhas dos caixas eletrônicos. Desde a instalação da presbiopia jamais enxergo perfeitamente. Há sempre um ponto desfocado, seja próximo ou distante.
Esta carcaça já começou a sentir a passagem do tempo há uns dez anos. Dores se tornam rotineiras, mas a gente aprende a conviver com elas. O aumento de peso, a falta de disposição para sair todas as noites após um dia de trabalho... isso acaba se tornando aceitável. A perda da visão, no entanto, é o primeiro sinal real da decrepitude - como lamentava um conhecido, 30 anos atrás, quando sequer ele havia chegado à terceira década de vida, mas já se mostrava alarmado com o envelhecimento. Acho que foi o Caetano que disse que se descobriu velho ao precisar de óculos para ler. Realmente, é o primeiro sinal de que o corpo começa a falhar.
Para os míopes, a alteração na visão traz uma tremenda estranheza, que é a troca de lentes. Sinto-me um fotógrafo ou um pesquisador em laboratório. E, incrivelmente, a miopia se reduz - o que garante mais confusão mental ainda.
O jeito é criar truques para enfrentar o envelhecimento, já que a única opção para não chegar à velhice não me agrada. Sei que guardo todos os óculos antigos com suas armações coloridíssimas, numa gaveta. Abro-a constantemente, saco de lá um dos velhinhos, bem arranhadinhos, e saio à caça dos atuais. Com a dignidade que ainda se permite a quem pretende envelhecer sem apelar para uma infrutífera, frustrante e patética busca da juventude eterna.

4 comentários:

Mosca 1 disse...

Pelo menos existe o Coquetel Letrão!

Milena Magalhães disse...

Olga, e eu que uso óculos desde os 7 anos! Ok, ok, mas meus olhos não são verdes, e são pequenininhos, como os do meu pai! Mais fácil de se conformar com os óculos...

Um abração!

rosaneserro disse...

Precisamos fazer um programa de quinta para tratar do tema envelhecimento.

Precisamos urgentemente saber do que se trata porque ninguém deixou manual de instruções para as gerações que nasceram nos 60.

Que tal despois do Carnaval?

rosaneserro disse...

Por exemplo: o que são essas linhas que surgiram em torno dos olhos e que, no mês passado, não estavam ali?

Ou
Por que os ossos doem sem que tenhamos feito nada para tanto?

E ainda:
Qual o espaço social possível reservado pelo sistema capitalista às mulheres que passaram dos 40, não usam botox, não têm personal, mas pensam e querem cada vez mais emitir sua opinião?

(Como vocês sabem, mulheres que pensam são serem indesejáveis em qualquer faixa etária, mas o preconceito está recrudescendo nos últimos anos).

Sugiro um debate ou uma mesa redonda de consultores mediada pela Patrícia Travassos em sua casa, Olguita!