7.10.11

Reprimida era a sua avó

Minha mãe, Guiomar, provavelmente aos 3 anos, de mão na cintura, minha sorridente Tia Leda, com 4, Tia Zélia aos 7, Tia Consuelo com uns 13 ou 14 anos, Vovó Olga aparentemente grávida do último filho, aos 32, nos idos de 1928.

Cresci numa família de mulheres fortes, em que trabalhar era uma condição, não uma opção. Muito estranhava eu que o outro lado da família, o paterno, lá em Florianópolis, considerava natural a dependência econômica masculina. Talvez por isso eu sempre tenha visto Santa Catarina como um cantinho do mundo de outros tempos - e muito me choque encontrar a Ilha cada vez mais coberta de construções, tirando um pouco do viço de sua beleza natural.
Não que o Rio de Janeiro de minha infância fosse assim tão diferente. Que eu me recorde, era a única criança no colégio a ter mãe que "trabalhava fora" - e não na honrosa função de professora, mas na Caixa Econômica. Somente a mais velha de suas três irmãs abandonou a carreira - de professora, a única não-funcionária pública delas - depois do casamento. Teve cinco filho e, como se cuidar dos afazeres domésticos era pouco, ainda alfabetizou todos antes que entrassem no colégio.
Minha mãe e minhas tias sempre trabalharam em repartições públicas. Nunca faltavam ao serviço, pouco adoeciam e sempre foram funcionárias exemplares, incorruptíveis (uma era fiscal da Alfândega, linha dura, daquelas que ameaçava autuar por suborno quem tentasse lhe dar uma caixa de bombons) e responsáveis. Minha avó Olga não trabalhava "fora", mas, ao enviuvar aos 36 anos, decidiu montar uma pensão para estudantes em sua casa, na Travessa Euricles de Mattos, em Laranjeiras. Mamãe contava que ela tinha uma empregada e eu tenho pena da coitada, mesmo sem ter conhecido a moça. Convivi com as diaristas de Vovó, que sempre morou sozinha, e fazia questão de acompanhar a faxina, pano na mão, ao lado das empregadas. Gostava de jardinagem, cultivava violetas e samambaias em qualquer naco de terra, cozinhava bem e só delegou a administração de seu orçamento aos filhos perto de completar 90 anos. As mãos eram feias, enormes e ásperas de tanto lidar com lavagem de pratos, roupas, cuidar dos oito filhos e do marido, que passou quase duas décadas doente.
E foi ela que sempre repetiu às filhas que não seguissem seu exemplo, casando-se adolescente. Também dizia que todas deveriam trabalhar, porque "casamento não é meio de vida".
E isso tudo me vêm à lembrança agora, graças à bela Giselle Bündchen, estrela de uma campanha publicitária que presta um desserviço à causa feminista - um movimento que jamais se colocou contra os homens e que garantiu a eles alguns direitos, como o de se aproximarem mais dos filhos.
Minha avó, minhas tias e minha mãe jamais se declararam feministas. Também não gostavam de lutar contra o machismo, mas não aceitavam cantadas de chefes, franzindo o cenho assim que ouviam piadas mais pesadas. Ah, e todas eram mulheres bonitas, que se apaixonaram, namoraram bastante, se casaram e tiveram filhos. Minha pergunta aos que reclamam dos protestos contra a propaganda que exalta o comportamento submisso da mulher e o estereótipo da brasileira gostosona, sem qualquer outro poder de argumentação que não o sexo, é a seguinte: sua mãe trabalhava 'fora' ou dependia economicamente de algum homem?
Porque, desculpe, recordando outro antigo bordão publicitário, reprimida era a sua avó! A minha estava longe de se enquadrar nesse papel e nem quis tal destino para suas filhas.

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