11.7.12

O bispo

Durante meus dez anos de repórter de Geral/Cidade do Globo, fui, praticamente, setorista de D. Eugenio Salles, o arcebispo do Rio. Como era sobrinha de padre e ex-aluna de colégio de freiras, conhecia termos que embatucavam alguns coleguinhas, entre eles "homilia". Praticamente uma especialista em assuntos eclesiásticos.
Dom Eugenio era magrinho, de sotaque nordestino carregado e nenhum laivo de simpatia. Profissionalíssimo, pontual e sempre pronto a falar com os jornalistas depois das celebrações religiosas. Nada de sorrisos fáceis. A gente se sentia menos carioca ao lado dele.
Com Dom Eugenio fui, pela primeira vez, a uma cadeia. Mais precisamente o Hospital Penitenciário, em Bangu, então um campo de extermínio de homens com tuberculose e Aids. Uma realidade incômoda, deprimente, que jamais esqueci. Ali, Dom Eugenio se mostrava em seu elemento, recolhendo cartinhas dos presos doentes, conversando com quem mal podia falar, abrindo para a imprensa locais que as autoridades preferiam esquecer que existiam.
E foi assim que levou a vida, denunciando sem grande alarde, acolhendo refugiados políticos, aproveitando o bom relacionamento com os donos dos jornais para denunciar a tortura nas cadeias da cidade, algo que a sociedade preferia não ver. E ainda prefere não ver.

A pombinha que se alojou sobre o caixão do cardeal não simboliza apenas o Espírito Santo, mas a paz que esta cidade merece e que o pouco cordial Dom Eugenio defendeu, com seu jeito sisudo, de tempos antigos de homens severos. Minha impressão era a de que a cidade gostaria de ter um bispo mais afável, mais extrovertido, mais "carioca". Mas coube ao Rio um bispo de feições duras, incômodas. E, inegavelmente, marcante.

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