22.11.13

Sorria! Entrevista com Barbara Ehrenreich

Um lado negativo do pensamento positivo

Por Olga de Mello | Para o Valor, do Rio
Divulgação / Divulgação
Barbara: 'Não precisamos acreditar em nada, e sim tentar compreender o que acontece'
A cultura do pensamento positivo enraizou-se de tal maneira na sociedade americana que levou especialistas a desprezar claros sinais de alerta na economia e a ignorar problemas ambientais iminentes, como o furacão Katrina. "Os efeitos econômicos do culto ao pensamento mágico foram desastrosos. Até executivos de Wall Street foram desencorajados a expressar críticas negativas sobre as estratégias de suas companhias; alguns chegaram a perder o emprego por isso", diz a aclamada ensaísta americana Barbara Ehrenreich, autora de "Sorria - Como a Promoção Incansável do Pensamento Positivo Enfraqueceu a América" (Editora Record).
Sem condenar palestrantes motivacionais, a escritora analisa o fenômeno que ganhou força nos EUA na década de 1980 e ainda demonstra sinais de vigor, embora perceba uma "atmosfera um pouco mais sóbria", desde a crise financeira de 2008: "Tenho visto poucos best-sellers sobre pensamento positivo nas listas de mais vendidos", comentou Barbara, em entrevista ao Valor.
O interesse pelo tema surgiu ao receber o diagnóstico de um câncer de mama. Atordoada com a quantidade de recomendações para manter-se otimista, o que, de acordo com outras pacientes, auxiliaria a cura, ela se recusou a aderir ao "recrutamento pelo pensamento positivo". Rejeitou imediatamente a "cultura do laço cor-de-rosa". Em vez de sentir-se confortada pelas mensagens de alento, incomodou-se com a infantilização das mulheres doentes.
Formada em química, com mestrado em física e doutorado em biologia, Barbara seguiu tratamentos médicos convencionais, sem admitir que o câncer fora causado por seu pensamento negativo. Era o início da década de 2000, quando alguns médicos se rendiam a princípios do pensamento positivo, que responsabiliza cada um pelo próprio destino, ignorando fatores genéticos, a educação ou o meio social. A cultura do pensamento positivo chegaria a seu ápice com a publicação do livro "O Segredo", que afirmava haver bases científicas para uma ideologia que se originou no fim do século XIX, em resposta à severidade do puritanismo religioso.
"Na Nova Inglaterra, na virada do século, os líderes do pensamento positivo declaravam que não estávamos condenados ao sofrimento eterno, mas tínhamos direito a uma vida próspera e saudável. Em meados do século XX, o pensamento positivo passa a focar mais no bem-estar financeiro. Qualquer um poderia ser rico, bastava visualizar essa possibilidade, atraindo mentalmente dinheiro para si próprio." A punição ficaria para os pobres e desempregados, que, partindo desse mesmo princípio, nutririam pensamentos negativos. "Era a negação do mundo real, porque tudo o que acontece é reflexo de pensamentos e atitudes."
A dissociação da realidade também recebeu estímulos de algumas igrejas protestantes, que aconselham os fiéis a mentalizar a prosperidade, diz Barbara, que, para a pesquisa, frequentou cultos religiosos e encontros com os que se dedicam profissionalmente à motivação. Mesmo reconhecendo a dificuldade que seria prever a crise financeira, ela diz que o aspecto doutrinário do otimismo generalizado induziu políticos e executivos a valorizar mais o instinto do que o racionalismo nos negócios.
"Fomos bombardeados pelo pensamento positivo por meio de diversas fontes, celebridades, gurus, como Deepak Chopra, palestrantes motivacionais, empregadores. Até mesmo acadêmicos estavam sendo atraídos para a nova ciência da psicologia positiva. Em 2006, alguns gurus de pensamento positivo chegaram a culpar vítimas do tsunami na Ásia pela fatalidade", afirma.
O cenário ideal para a migração do pensamento positivo do campo espiritual em direção ao mundo empresarial começou a tomar forma nos anos 1980, quando as companhias dos EUA contrataram treinadores e técnicos de esportes para fazer palestras motivacionais em encontros corporativos. Termos como "visualizar a vitória" e "transformar a derrota em oportunidade" entraram no jargão de planejamento das companhias. Doença e desemprego deveriam ser encarados como o início de uma nova fase em que o paciente ou o demitido traçariam metas para conquistar a saúde ou a riqueza.
Entre 1981 e 2003, cerca de 30 milhões de trabalhadores americanos regulares perderam o emprego, observa Barbara. Paralelamente ao trabalho dos "coaches", que apontam novos caminhos para os dispensados, solidifica-se a indústria de produtos motivacionais. Só o investimento das empresas americanas em brindes, equipamentos esportivos, camisetas e viagens para estimular os empregados, em 2006, alcançou em torno de US$ 100 bilhões. Os cerca de 40 mil "coaches" espalhados pelo mundo - a maioria na Europa e nos EUA - movimentam US$ 2 bi por ano, informa.
Hoje, o poder do pensamento positivo já foi abandonado como auxiliar terapêutico por parte dos médicos americanos. Barbara aposta em uma mudança gradual de mentalidade. "A noção de um poder superior que nos protege pode ser emocionalmente reconfortante, mas o que precisamos para sobreviver é ter menos crenças e desenvolver um pensamento mais lúcido. Não precisamos acreditar em nada, e sim tentar compreender o que acontece, além de, naturalmente, ser solidário e tomar conta dos outros", diz a escritora, que, apesar de suas ressalvas ao otimismo como filosofia de vida, é "totalmente favorável" às celebrações coletivas.
"Durante milênios, os homens descobriram as melhores formas de passar tempo juntos, combinando música, figurinos, pintura corporal, dançando, festejando e bebendo. Algumas festas tinham cunho religioso, outras eram apenas diversão. Uma das razões para o fortalecimento do pensamento positivo na cultura americana está nas pouquíssimas oportunidades de alegria coletiva. O pensamento positivo é triste alternativa para a alegria em grupo."


© 2000 – 2013. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.

Leia mais em:
http://www.valor.com.br/cultura/3347028/um-lado-negativo-do-pensamento-positivo#ixzz2lPNKwHm6

Nenhum comentário: