25.1.05

Achados e perdidos

Vivo perdendo coisas. No tempo em que fumava, eram isqueiros e caixas de fósforos. Parei de fumar e dei de perder até carteira de identidade. As chaves não perco mais, desde que juntei tudo - de casa, do carro, da portaria, da gavetinha - num chaveiro escandaloso, coalhado de fitinhas do Senhor do Bomfim. Perco pulseiras, que tiro do braço para batucar no teclado, óculos escuros, que abandono no balcão de farmácias, compras no supermercado - nem sempre a moça da caixa grita "Se-nhôôôn-ra" para que eu volte, avexada e pegue a sacola - , dinheiro que jogo no buraco negro que é minha bolsa e jamais vejo outra vez (mas até desconfio, pode haver uma coleta seletiva de moedas por meus filhotes...). Guarda-chuva não conta, porque guarda-chuva, como diz um amigo meu, deveria ser considerado meio circulante, já que todos perdem e alguém deve encontrar em algum momento, claro.

Nada me deixou mais chateada do que, há cerca de dois meses, esquecer o livro "O Corpo e outras histórias", de Hanif Kureishi, num táxi. Estava tão preocupada naquele dia que, ao sair do carro, não fiz o check-in feminino habitual (bolsa, echarpe, óculos escuros, sacolinha com o tupperware de almoço, agenda, celular, garrafinha de água, circulares do colégio das crianças, livro, jornal, revistas). Cinco passos depois, me lembrei do livro. Por alguns dias, tive esperança de que o motorista voltaria e me entregaria o livro, do qual só havia lido o primeiro conto. Dentro do livro, claro, havia deixado a circular do colégio e uma conta de condomí­nio a ser paga. Tinha meu endereço ali e...
O tempo passou, pensei até em comprar um novo "Corpo", mas preferi deixar para fuçaar em algum sebo, pois R$ 43 não é uma quantia tão desprezí­vel assim. Ficava olhando um outro livro do Kureishi, o "Intimidade", solitário, azulzinho, sentindo falta do verdinho (tanto em leitura quanto em capa) "Corpo". Pois não é que ontem, num fim de tarde de domingo modorrento, toca o interfone e meu porteiro diz que "o moço do táxi deixou mais cedo um livro aqui pra senhora antes". Fiquei tão feliz e fui pegar meu "Corpo", que voltou sem folheios de outros leitores, mas um pouquinho sujo e com perfuminho de fraldinha de neném. Imagino que ele tenha ficado guardado junto com pacotes de fraldas também coletadas pelo motorista de táxi, que deixou um cartão com seu telefone e nome - Artur, como meu primeiro herdeiro, gentil como um cavalheiro medieval e carioquérrimo, do jeito que a gente quer que todos os cariocas continuem sendo.
Muito mais que o livro, me foi devolvida a sensação de que a gentileza ainda é uma caracterí­stica carioca.

Primeira incursão multiplyana, em 25/10/2004

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