12.5.05

Em louvor das donas-de-casa do Terceiro Milênio


Uma conversa amena de almoço rendeu assunto no blog da coleguinha Paula Machado, que nele conta sua venturosa vida de recém-casada. Casei-me com a mesma idade que Paula, mas tinha idéias um tanto diversas sobre vida conjugal e afazeres domésticos. Algo que me causava estranheza - e ainda causa - é que algumas primas de Florianópolis, que são da minha idade, tenham parado de trabalhar quando se casaram. Há cerca de dois anos, a filha de uma dessas primas se casou, bem jovem (19 anos) e também deixou o emprego para ocupar-se inteiramente dos afazeres domésticos.
Nada tenho contra donas-de-casa, ao contrário. Uma das mulheres que mais admiro, amicíssima de minha mãe, é a perfect housewife: levanta cedo, passa pano no chão do aparamento todos os dias, cozinha divinamente, lava até os ternos do marido à mão, costura, faz artesanato, dá aulas de catecismo e ainda arruma tempo para sair de casa, no Posto Seis, e levar as netas, que moram no fim de Ipanema, à creche, porque gosta de supervisionar os cuidados com as meninas. O máximo que faz por si é hidroginástica. O marido é um príncipe, que não come no jantar a comida servida no almoço. Ela não reclama da trabalheira da casa, porque é dinâmica e caprichosa ao extremo. Quando alguém adoece, vai visitar o doente com uma sopa deliciosa que levanta o astral de qualquer um. Ah, sim, ela é cardíaca, hipertensa e não segue os conselhos médicos de que precisa dar um tempo.
Minha avó Júlia Mello também era dona-de-casa. Miudinha, parecia uma bruxinha, sempre de avental e vassoura na mão. Papai contava que aprendeu a comer quando saiu de casa, porque a Vovó fazia um prato diferente ao gosto de cada um dos sete filhos e do meu avô. A filharada ajudava a cuidar da casa e dos pequenos, como era comum nas famílias imensas de operários do século passado. Meu avô Candonga começou a trabalhar como pedreiro aos 9 anos, quando o pai morreu, porque era o mais velho de uma carrada de filhos. Só foi estudar para valer em adulto e escrevia lindas cartas com uma caligrafia cuidadosa, que o faria passar por um homem de educação refinada. Vovó Júlia vivia para o Vovô. Todos os dias, ele saía para fazer compras, porque em Florianópolis, até quando eu era pequena, as mulheres não iam aos mercados. À tarde, Vovô ia comprar pão e rosca para o café da tardinha. Batia 5 horas, Vovó se postava no muro, resmungando. "Aonde foi esse velho que ainda não voltou?", enxugando as mãos no avental, apoiando-se na vassoura. Vovô Candonga apontava na esquina, ela sossegava e aproveitava para varrer a entrada da casa ou regar as plantas - havia sempre um regador com água, pronto para ser usado. Na casa da Vovó, a louça era lavada e escaldada em todas as refeições. Não havia máquina de lavar, era tudo no braço mesmo. Minha avó era a primeira a acordar e só não era a última a se deitar porque Vovô a chamava para dormir cedo. Aos 48 anos deu à luz sua filha mais moça, tia Graça, vinte anos mais jovem que Papai. Ou seja, havia muito trabalho para a Vovó Júlia e parecia que nunca iria acabar.
Minha avó materna, Olga, era outra dona-de-casa invejada pela destreza com que administrava , que, quando mais velha, aceitou contratar uma faxineira para o trabalho pesado. Só que acompanhava cada milímetro que a faxineira limpava, apontando o que deveria ser feito, enlouquecendo as empregadas, claro. Tinha jardim de inverno com uma criação primorosa de violetas, bordava lençóis, cozinhava muito bem e dizia a todas as filhas que casamento não era meio de vida, portanto, todas deveriam trabalhar assim que saíssem da escola. Casou-se aos 13 anos, teve oito filhos, enviuvou aos 36. Meu avô José era tuberculoso e Vovó Olga, sua única enfermeira. Aprendeu a dar injeção, a aplicar cataplasmas, a ter filho e entregar para a parteira cuidar, porque o marido estava em crise com hemoptises, como aconteceu quando minha mãe nasceu. Orgulhava-se de que ninguém na família, fora o marido, pegara tuberculose, numa época em que a doença era quase epidêmica. Tinha mania de limpeza e a casa vivia escancarada, pois, como repetia minha mãe, "onde entra ar e luz, não entra doença". Falem isso para uma asmática como eu, que sempre vivi no meio de tufões providenciados por Vovó e Mamãe...
Se eu tenho alguma coisa contra donas-de-casa? Eu tenho é desânimo só de lembrar a faina das minhas avós e pela certeza de que jamais terei tanta energia quanto elas ...



2 comentários:

Anônimo disse...

Como cheguei aqui? Pelo Blog da Paula claro! Quer saber? Virei fã agora! Adorei seus escritos, ainda vou ler tudo. Um abraço!

Olga de Mello disse...

Que bom, Dani, volte sempre e dê sua opinião, tá?
beijo