Uma conversa amena de almoço rendeu assunto no blog da coleguinha Paula Machado, que nele conta sua venturosa vida de recém-casada. Casei-me com a mesma idade que Paula, mas tinha idéias um tanto diversas sobre vida conjugal e afazeres domésticos. Algo que me causava estranheza - e ainda causa - é que algumas primas de Florianópolis, que são da minha idade, tenham parado de trabalhar quando se casaram. Há cerca de dois anos, a filha de uma dessas primas se casou, bem jovem (19 anos) e também deixou o emprego para ocupar-se inteiramente dos afazeres domésticos.
Nada tenho contra donas-de-casa, ao contrário. Uma das mulheres que mais admiro, amicíssima de minha mãe, é a perfect housewife: levanta cedo, passa pano no chão do aparamento todos os dias, cozinha divinamente, lava até os ternos do marido à mão, costura, faz artesanato, dá aulas de catecismo e ainda arruma tempo para sair de casa, no Posto Seis, e levar as netas, que moram no fim de Ipanema, à creche, porque gosta de supervisionar os cuidados com as meninas. O máximo que faz por si é hidroginástica. O marido é um príncipe, que não come no jantar a comida servida no almoço. Ela não reclama da trabalheira da casa, porque é dinâmica e caprichosa ao extremo. Quando alguém adoece, vai visitar o doente com uma sopa deliciosa que levanta o astral de qualquer um. Ah, sim, ela é cardíaca, hipertensa e não segue os conselhos médicos de que precisa dar um tempo.
Minha avó Júlia Mello também era dona-de-casa. Miudinha, parecia uma bruxinha, sempre de avental e vassoura na mão. Papai contava que aprendeu a comer quando saiu de casa, porque a Vovó fazia um prato diferente ao gosto de cada um dos sete filhos e do meu avô. A filharada ajudava a cuidar da casa e dos pequenos, como era comum nas famílias imensas de operários do século passado. Meu avô Candonga começou a trabalhar como pedreiro aos 9 anos, quando o pai morreu, porque era o mais velho de uma carrada de filhos. Só foi estudar para valer em adulto e escrevia lindas cartas com uma caligrafia cuidadosa, que o faria passar por um homem de educação refinada. Vovó Júlia vivia para o Vovô. Todos os dias, ele saía para fazer compras, porque em Florianópolis, até quando eu era pequena, as mulheres não iam aos mercados. À tarde, Vovô ia comprar pão e rosca para o café da tardinha. Batia 5 horas, Vovó se postava no muro, resmungando. "Aonde foi esse velho que ainda não voltou?", enxugando as mãos no avental, apoiando-se na vassoura. Vovô Candonga apontava na esquina, ela sossegava e aproveitava para varrer a entrada da casa ou regar as plantas - havia sempre um regador com água, pronto para ser usado. Na casa da Vovó, a louça era lavada e escaldada em todas as refeições. Não havia máquina de lavar, era tudo no braço mesmo. Minha avó era a primeira a acordar e só não era a última a se deitar porque Vovô a chamava para dormir cedo. Aos 48 anos deu à luz sua filha mais moça, tia Graça, vinte anos mais jovem que Papai. Ou seja, havia muito trabalho para a Vovó Júlia e parecia que nunca iria acabar.
Minha avó materna, Olga, era outra dona-de-casa invejada pela destreza com que administrava , que, quando mais velha, aceitou contratar uma faxineira para o trabalho pesado. Só que acompanhava cada milímetro que a faxineira limpava, apontando o que deveria ser feito, enlouquecendo as empregadas, claro. Tinha jardim de inverno com uma criação primorosa de violetas, bordava lençóis, cozinhava muito bem e dizia a todas as filhas que casamento não era meio de vida, portanto, todas deveriam trabalhar assim que saíssem da escola. Casou-se aos 13 anos, teve oito filhos, enviuvou aos 36. Meu avô José era tuberculoso e Vovó Olga, sua única enfermeira. Aprendeu a dar injeção, a aplicar cataplasmas, a ter filho e entregar para a parteira cuidar, porque o marido estava em crise com hemoptises, como aconteceu quando minha mãe nasceu. Orgulhava-se de que ninguém na família, fora o marido, pegara tuberculose, numa época em que a doença era quase epidêmica. Tinha mania de limpeza e a casa vivia escancarada, pois, como repetia minha mãe, "onde entra ar e luz, não entra doença". Falem isso para uma asmática como eu, que sempre vivi no meio de tufões providenciados por Vovó e Mamãe...
Se eu tenho alguma coisa contra donas-de-casa? Eu tenho é desânimo só de lembrar a faina das minhas avós e pela certeza de que jamais terei tanta energia quanto elas ...
2 comentários:
Como cheguei aqui? Pelo Blog da Paula claro! Quer saber? Virei fã agora! Adorei seus escritos, ainda vou ler tudo. Um abraço!
Que bom, Dani, volte sempre e dê sua opinião, tá?
beijo
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