24.8.05

Depois da tempestade

A ressaca ainda não passou. Fui trabalhar no dia seguinte ao pavor, para, no outro, desabar no terapeuta, que me mandou ficar no ex-sacrossanto recinto de meu lar, transfigurado em sucursal de Bangu III.
Tem tanta tranca em porta, agora, que me sinto uma carcereira.
A verdade é que havia apenas uma porta com chave - a da rua. As demais, incluindo as dos banheiros, eram livres para serem abertas por qualquer um. Partia do raciocínio que se a porta estava fechada, a gente dá umas batidinhas, ouve um "que é?" - são crianças do Terceiro Milênio, mal educadas por pais culpados e tratados com extrema severidade pelos avós pós-Segunda Guerra Mundial - e entra.
Também não ligava muito para as grades nas janelas, nem acreditava na necessidade da presença de um porteiro desligado na portaria. Minhas certezas ruíram e cumpro à risca o ditado: depois de arrombada a porta, instalo o ferrolho. É assim o ditado? Sei lá, mas é parecido,
Chamo corretores que avaliam o apartamento, visito um cubículo em frente de casa, com piscina, sauna seca, bar, salão de festas, sala de ginástica, churrasqueira, tudo para compensar as diminutas dimensões aonde se espremem famílias de classe média. Não estou ainda convencida se quero trocar meus extensos domínios violados por uma caixa de fósforos cercada de encantos por todos os lados, limitadas por paredes finas e varandas de onde se acompanha a vida da vizinhança inteira.
A questão agora é "should I stay or should I go", mas meus valentes filhotes se dividem em prós e contras. Vanúzia, nossa escudeira, prefere permanecer onde já estamos. De Brasília, Artur avisa que ama Botafogo, que não quer apartamento nem em Ipanema. Júlia, passado o trauma inicial, circula pela casa tranqüilizada pela profusão de trancas, reiterando seu amor pelo lar. Hugo mostra-se tentado pela novidade de uma mudança. Oto, animado porque vai se mudar de apartamento em Brasília, ainda não tem opinião formada. Danúzia, de Rio das Ostras, é a favor.
Muitos palpites, mas quem decidirá sou eu. Veremos. A verdade é que, no impacto da intrusão, passei a notar cada detalhe de reforma que fiz, os quadros que pendurei, a decoração, a cor da parede, cada pedaço de uma peça de 13 anos que montamos aqui. Uma história que tinha mocinho, mocinha e sua extensa prole. O vilão é sempre o mesmo, um ogro que continua atazanando a existência dos que permanecem na propriedade, porque acredita ser tanto o xerife quanto o senhor feudal, que concede aos vassalos o privilégio de aqui viverem. Um mocinho se foi, houve substituições no papel, a mocinha perdeu a ingenuidade e se transformou em matrona, dois jovens audazes preferiram descobrir a vida em outras plagas. Bailes, intrigas, dor, uma morte no clã. Faltava apenas um ataque à fortaleza que tinha flancos desguarnecidos. Todas as vidas podem ser armadas como uma peça de Shakespeare...

Um comentário:

Anônimo disse...

Olguinha, volta logo! Isso aqui está péssimo sem você. Nós somos seus terapeutas! Bjs