28.1.06

Lamento de verão


Vivo numa cidade que me supre de emoções e atrativos tão numerosos que dispensaria conhecer o mundo só para jamais deixá-la, o que me torna pequena, provinciana e reduzida diante dos cidadãos do mundo. Foi a escassez de dinheiro e a distância de meus filhos que tornaram minhas férias um período a ser desfrutado no Rio. Porém, um mecanismo de sobrevivência qualquer sempre me fez acreditar que o melhor lugar do mundo era aqui, apesar da violência, da agressividade, dos custos que a gente paga para curtir o Rio.
Em criança e adolescente, na época em que férias significavam quatro meses por ano de pernas para o ar (de fins de novembro a fevereiro E o mês de julho inteirinho) porque o MEC não determinara ainda o aumento dos dias letivos, nos quais as escolas incluem "passeios-aula", "viagens-aula", "apresentação pedagógica", e o malfadado conselho de classe (sem que esta ampliação de carga horária correspondesse a melhorias no ensino/aprendizado ou reduzisse a ociosidade que convida à cooptação pela marginalidade dos alunos) eu era levada para Florianópolis com meus pais, para visitar o ramo paterno da família. Geralmente, íamos no verão. No inverno, apenas em 1972, para comemorar as Bodas de Ouro de meus avós, quando todos sofremos terrivelmente com um frio para o qual não foramos programados geneticamente - ou, no caso do barriga verde do meu pai, havíamos perdido a resistência das células sulistas para a adaptação a um ambiente tropical úmido depois de mais de vinte anos no Rio de Janeiro.
Foi naquela época que eu passei a detestar as viagens a Florianópolis, porque o Rio era onde estava a diversão, os amigos, os cinemas, a praia. Em Florianópolis, ir à praia era uma operação de guerra, que incluía uma distância a ser percorrida de carro. No Rio, era olhar se havia sol, tomar café, trocar de roupa e rumar para a areia.
A maioria dos meus amigos de então sofria o mesmo dilema: a saudade dos parentes de fora do Rio e a vontade de ficar na cidade, para encontrar a molecada com que convivia apenas nos fins de semana, porque naquele milênio ainda se era obrigado a estudar de segunda a sexta e só sábado e domingo eram reservados à gandaia. Menos nas férias. Nas férias, podíamos nos encontrar todos os dias, falar pessoalmente, sair! E haja praia, claro.
Naquela época, o grupo de amigos era bastante coeso e muito semelhante socialmente. Os pais trabalhavam, as mães, não (exceto a minha, claro). Vivíamos em Ipanema, íamos ao Teatro da Praia ver o Asdrúbal, ao Parque Lage assistir ao Pessoal do Despertar, dançávamos no Circo Voador e numa boate do hotel Intercontinental, sempre juntando os trocados do grupo inteiro, porque alguém da turma nunca tinha dinheiro suficiente para pagar a entrada/consumação. Só uma amiga tinha verdadeira loucura pelas viagens (algo que ela cultiva até hoje, com mais reservas, já que agora, quem custeia os passeios é ela mesma), embarcando em excursões organizadas pela Soletur. Aquelas excursões em que há animação a bordo, com todos os viajantes alegres e íntimos, relacionamentos que se esfumaçam na volta à metrópole. Eu preferia as viagens no estilo mochilão, como meus pais, que, depois dos 50, foram passear por alguns países da Europa, mal falando inglês, dormindo em trens e se hospedando em pousadas sem qualquer estrela.
O grupo de amigos de minha adolescência permanece o mesmo. Ao longo de outros verões, acumulei novas amizades, e, com exceção de duas ou três, todos têm a mesma característica: vieram viver no Rio ou na Zona Sul, mas são de outras cidades. A visão deles sobre São Sebastião é muito diferente, pois não tiveram "adultos de referência" que conheceram um Rio mais agradável, embora já infernalmente quente, nas décadas de 40/50/60. Quase todos tiveram que deixar a casa dos pais muito jovens para estudar na cidade grande, enquanto minha geração viveu sob as asas protetoras da família enquanto precisou ou quis. Eles fizeram o caminho dos meus pais e engrossam o grupo "estrangeiro" que dá ao Rio este ar tão cosmopolita. Mas, diferente das gerações de migrantes anteriores à minha, só os que se apaixonam perdidamente pela cidade permanecerão aqui. O Rio, atualmente, assusta. E dá muita vontade de arranjar meios para garantir férias em outros cantos.

Um comentário:

Olga de Mello disse...

Que bom que vc está na amplidão da blogsfera, Ju! Vou visitá-la
beijo