3.7.06

Negócio de bola

Esta é a décima-segunda Copa da minha vida. Das duas primeiras não me recordo. Em 1966, eu tinha cinco anos, mas acho que o inconsciente coletivo dos brasileiros furiosos levou-me a apagar a memória do desclassificação na Inglaterra.
1970 foi, naturalmente, a primeira Copa do Mundo a significar algo para mim. No primeiro jogo, Brasil e Tchecoslováquia, fiquei em casa, de castigo, estudando matemática, enquanto minha família assistia à partida na casa da vizinha, num tempo em que crianças eram castigadas (!) em dia de jogo (!!). Felizmente, a pena foi comutada e pude ver o resto do campeonato, mesmo sem dar o menor crédito ao Brasil. Torci pela Inglaterra (os Beatles haviam me transformado em anglófila). Lembranças da época: ir para a praia comemorar as vitórias, testemunhar o momento da dessacralização do palavrão (jovens em cima de carros cantavam a plenos pulmões "Araruta, araruta, adversário filho da puta", usando a melodia de uma musiquinha de sucesso na época, "Na na na hey hey kiss him goodbye"), a tela de televisão coberta pelo letreiro "Brasil Campeon de Futbol del Mundo", a bola que não foi devolvida pelo público na final contra a Itália, a invasão do campo assim que o juiz apitou, a festa que os mexicanos fizeram para os brasileiros, Pelé nos ombros dos mexicanos, Carlos Alberto com a taça Jules Rimet nas mãos.
No reveillon de 71, andava com meus pais por Copacabana, à noite, indo para a casa de amigos, e me lembro nitidamente de um alegre bêbado nos saudando. Depois de desejar feliz ano novo, ele falou "e que o Brasil ganhe a Copa de 74!". 1974 chegou e foi um vexame, visto em TV colorida. 1978 foi ruim também, com o Peru entregando um jogo compradinho, compradinho pela ditadura argentina. 1982, eu com 21 anos, consolei-me com a eliminação perante Paolo Rossi porque um campeonato poderia ser utilizado politicamente para a manipulação das massas. Ainda estava na faculdade, namorava comunista, essas coisas. Em 1986, a Copa significava trabalho e plantão. No dia em que o Brasil foi eliminado, decidi me casar, mas sem qualquer sentimento de compensação.
Não tenho qualquer lembrança da Copa de 90. Tinha dois filhos pequeninos, meu pai acabava de ter o câncer de pulmão diagnosticado. Em 1994, na vitória por pênaltis, eu vivia em Rio das Ostras, fazia um frio terrível, mas saímos à noite para abrir o quiosque e encher a cara de Kaiser Bock. Artur e Oto eram pequenos, adoraram a farra. No dia seguinte, todos posaram para fotos com camisas do Brasil, menos Júlia, que usou um vestidinho amarelo, sentadinha no carrinho de bebê.
1998 foi a última Copa de Mamãe. Assistimos a derrocada do Brasil juntas, intrigadas pela situação de Ronaldinho. No trabalho, o chefe esbravejava, xingando a então mulher do jogador, que estaria de caso com um jornalista. "E a gente tem culpa de ele ser corno? Então o Brasil paga porque ele é corno?". Em 2002, eu não vi jogo algum. Era tudo de madrugada, eu dormia mesmo.
Este narigão de cera é só para falar que com tantos anos de Copa não consegui me entusiasmar por aquele grupo de miliardários batendo uma bolinha nos campos da Europa. Este país não tem fortunas para pagar aos jogadores. Então, continuaremos um celeiro de craques, exportando talentos que aumentam seus cacifes, ganhando fortunas em contratos publicitários. Este é o negócio deles. Defender as cores do país? Isso é tão ridículo quanto imaginar que aqueles outdoors ambulantes da Fórmula Um nos representem, ou que Giselle Bünchen tenha o título informal de embaixadora do Brasil. Entrar num campeonato com aquele jeito blasé, sem sequer ter a gentileza de saudar a torcida... Jogar pessimamente, não vibrar nem com os gols - ou seriam "os gois", na linguagem de Cafu -, vencer partidas de maneira medíocre, sempre com um ar de superioridade, como se, magnanimamente oferecessem alguma alegria ao seu povo, isso não é defender cor de país algum. Esses moços vivem fora do Brasil há tempos. Trabalham muito bem. E só.

2 comentários:

maria rezende disse...

Oi Olga, olha, adorei seu texto! Me identifiquei completamente, com a diferença de que eu esse ano estava pela primeira vez entusiasmada com a Copa, apesar da performance dos nossos craques europeus ter deixado a desejar desde o começo. Minhas impressões estão lá no mariadapoesia... Beijo pra você!

Anônimo disse...

O fato de termos a legião estrangeira não é tão ruim assim, acho que teremos por muito tempo, pois as ofertas de grana serão sempre maiores que os nossos reais. Mas pelo menos precisamos convocar os meninos que ainda não ganharam tudo na vida. Aqueles que ainda querem mais...