14.7.06

No Valor, hoje


"Ninguém quer ser bandido"



Valor: A ausência de política de geração de renda é responsável pelo crescimento da violência?

Nelson Perez/Valor Paulo Lins: "Na favela, são os filhos dos que não conseguiram entrar no mercado de trabalho que vão para o crime"

Paulo Lins: Ninguém quer ser bandido. É um processo lento e doloroso que começa muito cedo, aos 10, 12 anos. Quem passou dos 15 anos sem se envolver com o crime não será bandido. Só entra na criminalidade quem está abaixo da linha da miséria. Na favela há diversos classes de moradores: funcionários públicos e militares de baixas patentes, serventes, empregadas domésticas, operários, mão-de-obra não-especializada. São os filhos dos que não conseguiram entrar no mercado de trabalho que vão para o crime. Sem estrutura familiar, esse menino fica mau, vai assaltar, vai matar, vai torturar.

Valor: Como fazer a inclusão sócio-econômica dos negros e dos pobres?

Lins: Pela educação. Antes mesmo que o governo instituísse as cotas nas faculdades públicas, elas já existiam nos cursos de ciências humanas e no magistério. Isso porque o magistério ficou desvalorizado e, com a deterioração do ensino, isso virou carreira para os pobres. A elite continua majoritária nos cursos tecnológicos, na medicina, na engenharia, na informática. Pelas cotas, a universidade assume sua responsabilidade de reparar o ensino deficitário.

Valor: Críticos do sistema de cotas dizem que esses alunos são discriminados pelo mercado de trabalho.

Lins: De alguma forma a vida sempre melhora para quem consegue entrar para a universidade. Só pude estudar porque minhas irmãs mais velhas trabalharam para que eu fosse ao colégio. Os projetos sociais, com pouquíssimas exceções, querem ensinar profissões às crianças, não que elas façam carreira universitária. Isso só desestimula o aprendizado. É verdade o que disse o jogador francês [Thierry Henry]. Quem da seleção brasileira teve estudo? Por que a classe média não entra na seleção? Porque a classe média estuda, vai para a universidade. Os talentosos brasileiros que ganham fortunas na Europa somam apenas algumas dezenas de jogadores.

Valor: "Cidade de Deus" contava o surgimento de uma comunidade e o aumento da violência. Seu novo livro vai se concentrar em algum grupo de moradores?

Lins: São duas narrativas, uma na primeira pessoa, transcorrendo no momento atual; a outra na terceira, contando o que ocorre no início do século XX. Também vai haver uma história anterior, com contos sobre a escravidão, em cima dos relatos dos personagens. O fio condutor é uma pesquisa de mestrado de uma moça, que faz um estudo de literatura dos sambas da década de 20 e os do bloco Cacique de Ramos da atualidade.


2 comentários:

ipaco disse...

Belíssima entrevista, Olguita!

Olga de Mello disse...

Curtinha, mas bem direta no ponto, não?