8.12.06

A Botafoganização do Leblon



Aquele bairro do qual só passei a gostar recentemente e com o qual volto a antipatizar a cada glorificação estereotipada de que ali reside o último bastião de excelência do carioquismo, o Leblon, enfim começa a se igualar aos demais recantos da cidade.
Quando eu era criança, considerava-se absolutamente ridícula a paixão paulistana por lojas. Carioca fazia compras, claro, mas vivia era na praia ou no boteco. Em quarenta anos, tudo muda, claro. Carioca hoje tem devoção por shopping center. Carioca não gosta de sair de seu canto para dedicar-se à cristalização do entretenimento consumista. Carioca só vai a cinema de shopping e só assiste a filme comendo pipoca, tomando litros de refrigerante. Carioca senta-se em cafés que servem bebidas com as mais estrangeiras denominações e que têm toques da rubiácea, mas o gosto, mesmo é bem distinto. Carioca não gosta mais de um cafezinho de botequim, mas AMA tomar esses drinques globalizados. Em algum momento, eles serão servidos à americana, em copos de papel. E os neo-cariocas irão preferi-lo ao velho cafezinho tão fumegante quanto as pouco higiênicas xicrinhas de porcelana mantidas em água fervente de duvidosa assepsia.
Bem, todo este nariz de cera é para informar que, enfim, o Leblon começa a ser reintegrado ao resto da cidade graças à inauguração de seu novo shopping center, um trambolho arquitetônico de gosto duvidoso, parecendo um mausoléu branco em diversos andares, aos quais se alcança após galgar dois lances de escadas rolantes que lembram, em muito, a estação de metrô Arcoverde, em Copacabana (onde os trilhos são tão próximos às primeiras camadas magmáticas da crostra terrestre, que em um dos respiradouros foi instalada a marca do Batman, numa demonstração do bom humor pop que a carioquice manteve por tanto tempo). Mas antes, muito antes de usufruir dos prazeres oferecidos pela nova catedral do consumo chique, há que se alcançá-la. E lá fui eu para a nova Livraria da Travessa (imensa e linda, reconheço) para o lançamento do livro da Regina. Foi então que descobri um novo Leblon. O Leblon dos engarrafamentos que são comuns no resto da cidade. A Afrânio de Melo Franco virou terra de ninguém. Flanelinhas, todos moradores da Cruzada São Sebastião, indicam vagas sobre as calçadas. Orientadores de trânsito gesticulam e nenhum motorista dá bola. Guardas municipais e alguns PMs acompanham o caos, enquanto carros empacam e ninguém se entende.
Provavelmente esta é a forma de democratizar o Leblon, deixar a bagunça imperar e contrabalançar as griffes famosas do novo shopping, que começou a funcionar antes de estar ... limpo! No afã de aproveitar o Natal, meia dúzia de lojas abriram suas portas sem ligar para a poeira de obra que se acumula por tudo quanto é canto. A Travessa, por exemplo, tem todas as superfícies em madeira sem verniz aparente, mas o cheiro de impermeabilizante impede que se permaneça por muito tempo em seu interior. De qualquer modo, as autoridades municipais estão de parabéns: permitiram que fosse incrustrada na área do Teatro Casa Grande uma aberração arquitetônica que contribuirá para prejudicar ainda mais o tráfego da cidade. Mas isso, até eu, que não sou engenheira ou arquiteta, previa que iria acontecer. O Rio merece por entronizar tanta gente preocupada em esmagar de vez o carioquismo.

2 comentários:

Jôka P. disse...

Olga, eu até gostei do Shopping, achei bonito e tal.
Mas tenho que pensar duas ou tres vezes antes de ir lá, porque fica praticamente dentro daquela favela, a Cruzada.
Será que os bandidos e os moleques psicopatas e viciados vão ficar asssaltando todo mundo lá dentro ( lá fora já assaltam...)
Bjs!

Olga de Mello disse...

Talvez eu até mude minha péssima impressão depois que o shopping estiver ocupado. Por enquanto, achei pavoroso e um desastre para o trânsito. Certamente vão empregar o pessoal da Cruzada pra garantir a tranqüilidade dos grãs-finos - o que acho um dos poucos pontos positivos no novo empreendimento.