6.3.11

De outros carnavais

Em pleno retiro literário carnavalesco - só faço ler, recebendo a brisa do ventilador de teto, num verão, que felizmente, deu trégua ao carioca -, sofrendo por conta de uma tremenda tendinite, evito cair na folia. Fiquei velha, talvez, mas não posso expor meu braço contundido ao risco de encontrões e esmagamentos nos blocos, que frequentei religiosamente ao longo de anos, quando pular na Banda de Ipanema era sair da praia e encontrar a vizinhança cantando marchinhas ancestrais. Adoro bloco, carnaval, música. Mas tenho pavor claustrofóbico de enfrentar multidões ensandecidas, sufocantes. E observar carnaval ... bem, não estou ainda na fase de bater palmas porque sou turista. Continuo sendo representada na fuzarca por meus jovens e audazes filhos.

Um dos sambas-enredos a me encantar, ainda menina, foi "O Mundo Encantado de Monteiro Lobato". Eu tinha uns seis anos, quando foi lançado. Um ano depois, era uma leitora apaixonada por Monteiro Lobato, homem de talentos múltiplos, visionário, arrojado, progressista e... racista. Agora virou pecado admirar a obra de Lobato, que oferece aos jovens o perigo de uma formação racista. Olha, se depender da leitura de Lobato para as gerações X, Y ou Z abraçaram o racismo, podemos ficar tranquilíssimos.
Até eu, encantada que fui por ele, reconheço: o enredo ainda é ótimo, mas a linguagem ficou ultrapassada. Língua muda, a forma de escrever, de se dirigir ao leitor, precisa ser atualizada, sim.
A garotada que gosta do "Sítio" sequer abriu "Reinações de Narizinho". Nossos intelectuais precisam, urgentemente, compreender que as novas gerações não lêem muito, mesmo gostando de Harry Potter, vampiros e princesas. Preferem assistir em cinema, claro, que é muito mais prático, mesmo retirando o poder de criação do leitor, que pode imaginar a imagem de um personagem totalmente diferente do que o autor concebeu. Esses novos leitores conhecem Lobato pela televisão e ainda associam à música do Gil.
Lobato era racista, sim, igualzinho a muitos homens e mulheres de sua época. Igual a muitos de meus parentes que passam dos 80 anos hoje. Eles foram criados em outro mundo, aquele em que "asneira", "gabolice", "fanfarrão", "folgazão" eram termos utilizados e compreendidos por leitores nem tão sofisticados assim.
Temos a capacidade de separar o criador da criatura, de deixar as críticas ao comportamento do autor não permearem sua obra? Isso é bastante difícil, mas a gente consegue fazer o mesmo com os parentes caretas, retrógrados, reacionários, respeitando as diferenças ideológicas para permitir a convivência pacífica. Que seja igual com o artista, desde que seu trabalho não seja eminentemente catequista - como, tenho certeza - não era o de Lobato.
Sobre este tema eu me estendi no Estantes Cariocas, aí ao lado.
No mais, Evoé, Momo!

2 comentários:

Sidnei Ribeiro disse...

Olha, Olga. Depois de longo (e nada tenebroso) período na encolha, resolvi lhe fazer uma visita. Você não imagina como me fez bem. Gosto do seu estilo, na empatia que suas linhas vão criando com este caipira encravado no interior de SP. Como sou louco por cinema, vibrei com seus comentários sobre o Oscar e os filmes que você assistiu. Acredita que não vi nenhum deles -- ainda? Tenho todos no computador mas estou preferindo gastar meu tempo lendo (lívros espíritas, estou numa fase prá lá de esotérica), procurando notícias bizarras escondidas nesta vasta rede mundial e amando (e muito) minha esposa e filha. Além de assistir futebol (sem cerveja e sem palavrão, que sou menino educado cercado de mulheres - esposa, filha e cachorra). Um abraço e tenha a certeza de que não a esqueci. Estava apenas me recolhendo a uma insignificância que, descobri, não é minha. Seu link continua lá no blog do gordo!

Olga de Mello disse...

Sidnei, que bom ler você. Vou visitá-lo logo, logo. O blog anda meio largado, por conta de trabalho e tendinite. Mas, vez por outra, volto a escrever umas bobagens pra desopilar o fígado, como se dizia antigamente neste balneário.
Beijo imenso!!!