2.10.12

Despedida

Hoje faz onze anos que enterrei minha mâe. Coincidentemente, meu primo, que tem uma oficina mecânica, foi pegar meu combalido carrinho, que estava há 21 anos em minha companhia. A velha Elba Weekend, que começou sendo chamada de Llorca, por ser verdíssima, transformou-se em Abatida (devido às numerosas batidinhas e batidonas que apresentava), passando por Ruína e quase virou uma Relíquia.

Foi a relação mais estável que tive nos últimos tempos. Ela chegou num 13 de agosto, dia de aniversário de minha mãe, no mesmo ano em que meu pai morreu. A primeira viagem foi para Rio das Ostras, de onde saímos às pressas, quatro dias depois, para o enterro do pai de Martha, minha querida amiga. Foi o carro da família, o único em que eu enfrentei viagens além de 100 quilômetros no volante.

Nele peguei incomensuráveis engarrafamentos pelas estradas fluminenses, chuvarada, sol abrasador, geralmente com as crianças cantando no banco de trás. Foi lá que Jùlia começou a emitir sons. Os meninos cantavam Old McDonald  e Júlia, bebê, na cadeirinha, bradava "Ia-ia-ôô!". No início, era apenas uma cadeirinha, que Oto ocupava, Artur já amarradinho aos cintos. O rádio logo se quebrou, mas não havia problema. Oto conversava o tempo todo. Quando Artur dormia, ele cantava. Se havia silêncio no carro, era o sinal de que Oto também adormecera.  Depois, foi a fase das duas cadeirinhas, com o nascimento de Hugo. Elas permaneceram no banco traseiro por um bom tempo, mas acho que só tenho foto do Hugo sentado em uma delas.

E nele, viajamos, passeamos, andamos muito. Enfrentei enchentes no Rio de Janeiro, entrando com o coitado em lagos formados pela chuva. No último, Artur já era homem e teve que se enfiar na água para empurrar o pobre, que engasgou na poça. E teve a vez, anos antes, que ele morreu totalmente, numa noite em Rio das Ostras, só eu e Danúzia para empurrarmos, sem luz na cidade. Praticamente me joguei em frente de um carro, pedi ao motorista que viesse empurrar conosco (tinha uma pequena elevação na entrada da garagem), enquanto falava o tempo inteiro "Fique tranquilo, os cachorros são bem treinados. Calma, Trovâo, calma, Lua, é amigo, amigo". Os cães, nem tentaram colaborar com minha criação dramatúrgica para assustar o desconhecido que, poderia ser um perigosíssimo assaltante, segundo Danúzia.


Com meus filhos, gostávamos de dar voltinhas à noite pelas ruas da Urca, olhando as casas de um bairro em que jamais iríamos morar. Às vezes, subíamos pelas ruas com casinhas no Jardim Botânico, no Horto. E também íamos para Santa Tereza, em busca de um Rio de arquitetura mais aconchegante, amigável.  

Bem, chegou a hora. Não haverá outro carro tão cedo. Talvez nunca mais. Hoje, me locomovo de táxi, se precisar viajar, posso alugar um carrinho. Junto com o Llorca se vai a meninice de meus filhos e um bocado de nossa história. Desapegar é difícil. Principalmente porque o carro estava em nome de minha mãe. Era o único objeto dela que ainda estava comigo. Acho que hoje eu deixei Mamãe sair de minha vida.

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