3.10.12

Bom senso e censura são dois conceitos completamente diferentes. Bom senso é não expor crianças a violência, estupidez, grosseria. Censura é impedir que crianças saibam que existe violência, estupidez e grosseria - o que em nada contribuirá para o desenvolvimento delas no mundo real. Bom senso é dizer que caçar animais por esporte é crueldade, mas que sua prática sempre foi disseminada como um ritual para assegurar a virilidade dos homens que trucidam elefantes, onças, raposas, touros e outros bichos. Censura é proibir que qualquer forma de arte reproduza a tal prática.

Meu preâmbulo é a explicação do texto que publiquei duas semanas atrás na minha coluna Para Ler na Rede, que sai no Portal de Anna Ramalho e nos sites Cinema.com.br e Investimentos e Notícias. A coluna está nos links, mas também abro aqui, porque a polêmica é ridícula, forjada por grupos que buscam a notoriedade, ainda que momentânea, acusando o Monteiro Lobato de racismo. Eu diria que ele foi um homem de sua época.
E segue a coluna (A charge do Ziraldo, acima, é a do bloco Que Merda é Essa?, que dedicou o desfile de 2011 à discussão sobre Lobato, o preconceituoso):


Lobato, o racista, e os cocorocas de Stanislaw


Monteiro Lobato não me inoculou o vício da leitura, mas foi um marco no meu aniversário de sete anos, quando ganhei a coleção que li e reli anos seguidos, descobrindo a mitologia grega, a História, Dom Quixote e Peter Pan. Passou o tempo e Lobato, o escritor que usava a boneca de pano Emília para clamar contra a guerra, o racismo e a falta de nacionalismo, que criou o Jeca Tatu, o caipira largado à própria sorte por um governo que ignorava o homem do campo, virou um perigoso subversivo que difundirá o racismo entre o público infantil, além de contribuir para a difusão de crimes ambientais, entre eles a caça à onça-pintada.





Ver em Caçadas de Pedrinho um incentivo a safaris é o mesmo que considerar Moby Dick (Landmark, R$ 49), de Herman Melville, um manual de caça à baleia. O mesmo poderia ser dito sobre O Velho e o Mar (Bertrand Brasil, R$ 31), de Ernest Hemingway. Além de delinquente ambiental, Lobato estimularia o racismo em diversas de suas obras, entre elas o primoroso conto Negrinha. A protagonista é uma menina órfã, que vive na casa de Inácia, uma viúva sem filhos que se compraz em torturar a criança diariamente. Negrinha só conhece a alegria quando as sobrinhas de Inácia a convidam para brincar. O conto, curtinho, pode ser lido aqui http://www.bancodeescola.com/negrinha.htm. Lobato, o racista, assim descreve Inácia:



“Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. (...) Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo. (...) Era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes (...). Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco (...)”.



Se este trecho não demonstra o repúdio do escritor à Inácia, se não configura uma crítica violenta ao racismo, realmente, não sei mais ler. Também já se atribuiu o pejo de racista a Manuel Bandeira pelo belo poema Irene no Céu, em que “Irene Preta/Irene boa/Irene sempre de bom humor” chega ao paraíso, pedindo “licença, meu branco” a São Pedro. Este responde que ali ela não precisa pedir licença. Bandeira estaria disseminando a submissão dos negros perante os brancos. Quem levanta tais questões só merece ser classificado de “cocoroca”, como Stanislaw Ponte Preta definia os implicantes sem imaginação ou espírito crítico. Algo comum aos não leitores. Não há o menor risco de Monteiro Lobato ou Manuel Bandeira estimularem ideias racistas. A imensa maioria dos brasileiros da atualidade não os leu nem jamais os lerá.



É pena que Lobato e Bandeira sejam desconhecidos para muitos. Uma pena, também, que poucos saibam quem foi Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do jornalista Sérgio Porto, autor do divertido Febeapá – O Festival de Besteira que assola o País (Agir, R$ 63,90). Lançado em 1966, o primeiro volume foi um sucesso e teve duas edições nos anos seguintes, sempre com coletâneas das bobagens proferidas por brasileiros. Talvez hoje a ironia de Sérgio Porto não se adequasse aos tempos politicamente corretos. No entanto, muito do que ele registrou é semelhante ao que continua se falando Brasil afora. Podem conferir!



"O mal do Brasil é ter sido descoberto por estrangeiros" (Deputado Índio do Brasil, Assembleia do Rio).

O Diário Oficial publica "Disposições de Seguros Privados" e mete lá: "O Superintendente de Seguros Privados, no uso de suas atribuições, resolve (...), "Cláusula 2 — Outros riscos cobertos — O suicídio e tentativa de suicídio — voluntário ou involuntário".

A Polícia de Mato Grosso não é nem mais nem menos brilhante do que as outras polícias. Tanto assim que um delegado de lá, terminou seu relatório sobre um crime político, com estas palavras: "A vítima foi encontrada às margens do rio Sucuriu, retalhada em 4 pedaços, com os membros separados do tronco, dentro de um saco de aniagem, amarrado e atado a uma pesada pedra. Ao que tudo indica, parece afastada a hipótese de suicídio".Em Campos (RJ) ocorria um fato espantoso: a Associação Comercial da cidade organizou um júri simbólico de Adolph Hitler, sob o patrocínio do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito. Ao final do julgamento Hitler foi absolvido.




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