20.1.13

Saberes de minhas avós

Faxinando sala e varanda há dois dias, arrumando estantes há quatro, engulo a ira contra a última faxineira contratada que não limpou metade da casa e concluo que, sim, chegamos à situação primeiromundista da inexistência de empregados domésticos para quem está pouco acima da linha de pobreza. Não há mais, para boa parte dos cariocas, manter empregadas - diaristas ou mensalistas. Outro dia li no Facebook um brado de uma pessoa que não conheço, mas com quem concordei em gênero, número e grau: desde quando 100 reais viraram sinônimo de pechincha? Não sei como é no Primeiro Mundo, mas aqui temos a tendência a aceitar, cordatos, os preços que nos impingem.
Eu ainda protesto. O mate solúvel que eu comprava no ano passado por R$ 8,5 passou a custar, em uma das lojas do Rei do Mate, na Voluntários da Pátria, quase na esquina com Dona Mariana, R$ 14,50. Não comprei. Peguei em outra lojinha da mesma griffe, no Humaitá, onde paguei módicos R$ 9,50. Achei ridículo pagar R$ 70 reais por uma pizza na Capricciosa esta semana. Dividi com dois amigos, mas, convenhamos... dava para utilizar em algo não tão gostoso, mas bem mais substancial - e divisível por mais gente ainda. 
Enfim, empobreci. E já comecei a adotar hábitos de países ricos, tais como pintar paredes. Desde sempre fui a rainha dos cerzidos e nunca mandei roupa para armarinho fazer bainha. Porque essas eram habilidades que se aprendiam em casa e até em colégio. Tive aula de "Trabalhos Manuais", ou seja, fazer bordadinhos mixurucas com ponto de haste, de cruz e outros, cujos nomes esqueci. Sempre fui bastante medíocre nessas prendas, jamais passei da terceira linha de um tricô, que minha mãe tentava me ensinar. Anos depois, concluí que minha absoluta inabilidade devia-se a uma característica física raramente encontrada, que eu e alguns de meus filhos herdamos de meu pai: nossos polegares não têm curvatura alguma. São retos. Seguro em lápis de forma que aflige quem admira o espetáculo. 
Isso não me desculpa da falta de talento para cozinhar, por exemplo. E nem me eximiu de aprender a fazer "costura de mão", porque quando eu era menina, havia costureiras que iam às nossas casas para fazerem dois vestidos por dia. Minha função era puxar as linhas dos alinhavos, chulear e catar alfinetes espalhados pelo quarto. Foi quando aprendi a fazer bainhas, remendar e a me virar na costura de sobrevivência. Destra, aprendi com minha prima Jussara a pintar as unhas da mão direita, empunhando o pincelzinho de esmalte canhestramente, a princípio. Depois, virei expert. 
Então, por que não começar a encarar as chatérrimas tarefas domésticas, cujos preços são tarifados com base na cotação do grama do ouro? Eu realmente odeio lavar, passar, varrer, tirar pó, trabalhos incessantes e desprezados. Como ouvi uma vez alguém dizer, o trabalho doméstico só é perceptível quando não é executado. E a gente acaba relaxando, se acostumando com a baguncinha de uma gaveta, que acaba contagiando armários, cômodos, a casa toda. 



Em meio à labuta, recordo-me de minhas avós, Olga e Júlia, mulheres de imensas diferenças em personalidade e tipo de vida, mas de muita semelhança na forma de encarar o trabalho exaustivo das donas de casa. Ambas tiveram dez filhos e pouquíssimo estudo. Vovó Olga era mais sofisticada, conheceu o mundo, só queria morar na Zona Sul carioca, mesmo que, para isso, viúva jovem que era, sublocasse os quartos de sua casa, alugada, transformada em pensão. Vovó Júlia jamais saiu de Florianópolis e pouco deixava a própria casa. Do muro em frente a seu jardinzinho, sabia da vida de toda a vizinhança. Acho que foi dela que puxei a intensa curiosidade pela vida alheia. 



Minhas duas avós eram grandes jardineiras. Vovó Olga sempre teve samambaias e violetas no jardim de inverno de seu apartamento do Flamengo, entre outras plantas. Era tanta folhagem que eu usava a varanda para imaginar meus passeios como exploradora das selvas. Vovó Júlia tinha um minúsculo jardim em frente à casa. No Natal, os camarõezinhos amarelos floriam. Havia pequenas roseiras choronas, flores de maio, damas da noite, e numa parte coberta, as mais exuberantes rendas portuguesas, samambaias, avencas, dinheiro em penca e outras plantas que gostam de calor e sombra. 
No momento em que tive minha primeira casa própria, comecei minhas aventuras na jardinagem. Na casa de meus pais, a atribuição era de Maria, minha babá, que sabe fazer qualquer coisa. Mesmo. Cozinha, lava, passa, limpa, arrumava meus cabelos, costurava algumas roupas para mim, e ainda cuida como poucos de plantas, que roubava em jardins particulares ou públicos, afirmando que a natureza não pode ser propriedade privada. Então, meu primeiro apartamento tinha uma linda árvore da felicidade e muitas jiboias. Houve época em que cultivei minhas plantinhas, tirava mudas, trocava terra de vasos, estava até dando certo. Samambaias, eu respeitava, mas dólares, árvores da felicidade, lírios, todos eram transferidos de vasos com uma intimidade temerosa, de quem tenta se aproximar do desconhecido, com o ímpeto do cientista experimentador. 
Depois que minha mãe morreu, trouxe para casa um antúrio que ganhei de um namoradinho, quando tínhamos 16 anos. Há 36 anos, o antúrio floresce, mas eu não mexo nele, não. Espero Maria aparecer para trocar terra e vasos. Mas continuo entupindo a casa de plantas e, por vezes, ousando experimentar novos plantios.
Minhas avós teriam hoje bem mais de 100 anos. Perceberiam, assustadas, que o mundo da tecnologia expulsou mulheres com os saberes delas para bem longe das grandes cidades. As que permaneceram nas metrópoles estão a serviço de quem pode arcar com o preço de seus raros conhecimentos. Como eu não posso, resta-me tentar resgatar um pouco do instinto dessas ancestrais cujos talentos jamais foram devidamente valorizados. 

2 comentários:

Jôka P. disse...

ADORO!☆

Anônimo disse...

Amiga,
Já virei européia há algum tempo.Melhor alemã-mão fechada (para não falar outras origens).$ não nasce em árvores.Não aqui na Tijuca.Pena que bons hospitais/escolas não temos como no primeiro mundo....beijos