9.11.17

Carta para Gal

Gal,
Faz uma semana que você se foi. Eu estava na cozinha, buscando o saleiro, direto dentro do armário, o lugar dele, do óleo, do vinagre e do azeite por determinação sua. Pensei em devolver a bandejinha onde se equilibram as garrafinhas ao parapeito ao lado do fogão, onde ela ficava até você quebrar dois frascos de azeite. Faz muito tempo, faz pouco tempo, nem sei mais. Acho que ficará como você me obrigou a decidir, tudo guardado no armário mesmo. Já me acostumei.
Ainda não entendi a vida sem você. Agador incorpora hábitos seus e da Jolie. Aparece no meu quarto de manhã, miando desafinado, acho que tentando imitar o seu tom de indignação por não ter sido alimentado. Segue a Júlia pela casa inteira, mas também se embola em minhas pernas e nas de Hugo, rondando cada um, temeroso de ficar sozinho. Gosta de carinho, mas não de colo. Tem mania de se deitar ao lado de meu travesseiro – o que não melhorou em nada a minha asma.
Aliás, eu achava que fosse dispensar o broncodilatador, depois da partida de vocês duas. Que nada, uso religiosamente, duas vezes ao dia. Tive uma crise muito séria pouco antes de sacrificarmos Jolie.
Engordei. Como pão o dia inteiro, desacostumada em abrir a geladeira sem você saltando para retirar o que estivesse em minha mão. A casa está imensa, Gal. A casa que era sua e da Jolie. Uma vez fiz uma foto sua num sofá, bem egípcia, bem proprietária, logo depois da morte da Mel. Não sei lidar com um gato só, ainda por cima macho. Sim, são diferentes. É provável que peguemos mais um, já idealizei: todo negro, de olhos amarelos. Dificilmente corresponderá ao perfil, bem sei. Mas não deve ser por agora.
A vida começa a se reconstruir. Eu subestimava a dor da perda de animais até vocês nos enlouquecerem e preocuparem. É uma relação silenciosa, brincalhona, sem retorno algum além do apego, do carinho. Eu costumava dizer que a Jolie era uma “gata de companhia”. Você já havia deixado essa fase. Mais novinha, você adorava se enfiar debaixo das minhas cobertas, enroscar-se comigo quando eu assistia TV ou lia. Depois, mudou-se para a cozinha, dormia em tapetes, em caixas de papelão. Envelheceu sem perder o apetite.
Igual a mim.
Desde q você morreu, a fome me consome. Vai passar, eu sei, junto com  esta saudade danada. Mas ainda faz o olho encher d’água, a cara se encrespar, o coração se afundar. E eu nem sei se quero que passe.












Um comentário:

Maria disse...

Quanto amor! Bjs