14.11.05

Amores literários


"... há dias em que você se sente tão inspirada, tão cheia de palavras e imagens, que escreve com uma total noção de leveza, escreve como quem sobrevoa o horizonte, surpreendendo a si mesma com o que escreveu... Às vezes acontece de você escrever muito acima da sua capacidade, de escrever melhor do que sabe escrever. E então não quer sair da cadeira... "

Rosa Montero, A Louca da Casa, que me fez entrar numa polêmica amigável no blog da Sonia (www.contandocausos.blogger.com.br), pois não concordo com alguns aspectos do livro, que, na verdade, é um passeio/papo sobre a arte de escrever e o amor aos livros. Esta paixão, este vício que adquiri em família, não transmiti a meus filhos, com, talvez, uma exceção. É difícil, hoje em dia, competir com tantas informações imediatas e tanto conhecimento circunstancial. Há pouco tempo, conversando com Cíntia, falávamos sobre um livro pelo qual ela havia se encantado e eu me lembrei que datava de mais de um ano minha última paixão literária, Possessão, de A.S. Byatt, uma escritora que eu descobrira num livreto de contos, Histórias de Matisse, e, depois, devido ao Anjos e Insetos, filme interessantíssimo, baseado em uma de suas novelas. Mas quando cheguei ao Possessão, foi uma paixonite mesmo. Eu simplesmente não me separava do livro, andava com ele pelo País, carregava-o em viagens.
A primeira vez que ouvi falar neste affair com livros foi numa conversa de minha mãe com uma amiga, Lícia. Ambas estavam lendo Cem Anos de Solidão, e nada, nada mesmo era mais empolgante que o livro naquele momento. Muitos anos mais tarde, numa madrugada, comecei a ler a saga dos Buendia e acabei quando o dia raiou. Foi uma das minhas poucas noites de insônia naquela fase da vida, excelentemente aproveitada, embora o Garcia Marques que mais me envolvesse ainda estivesse para ser descoberto por mim, com a Crônica de uma Morte Anunciada, que li numa viagem entre Ipanema e a Praça Onze, num 464, indo trabalhar no Globo (eu leio rápido mesmo).
Atualmente, intercalo Minha Vida, Uma Farsa com O Menino que seguiu Ripley, com a mesma avidez. Meu primeiro Ripley foi Um Passo em Falso, que lia no Globo, comentando o mau caratismo impressionante do protagonista com um colega, que me aconselhava: "Larga esse homem que ele não presta!". Era uma edição da Brasiliense, da coleção Cantadas Literárias, se não me engano, que, logo depois, lançou O Amigo Americano. Só então juntei os pauzinhos e liguei Patricia Highsmith a seu maior personagem. Eu já gostava muito de policiais, mas pouco conhecia do gênero com profundidade, mesmo tendo passado a adolescência lendo a Coleção Amarela, de Papai, Agatha Christie, Simenon, Chandler e meu amado Hammet. Só quando percebi que Ripley era o canalha interpretado por Alain Delon no Sol por Testemunha, recordei outra conversa de Mamãe e Lícia, que estava lendo o romance (minha mãe só lia Simenon, entre os policiais) e contava que, diferentemente do filme, Ripley seguia impune. Mamãe estranhou e Lícia explicou que o Ripley do livro era fascinante, apaixonante, simpático.
A revelação sobre a "identidade" desses personagens e sua fama literária é como descobrir que seus amigos se conhecem de outras circunstâncias. Dá aquela sensação de que o mundo é pequeno como uma cidade do interior.
Estou com muita vontade de me apaixonar perdidamente por algum livro, andar com ele em tudo quanto é canto, dividir com aquele volume a minha existência. Os outros viciados me compreenderão.

7 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Olga, ainda bem que você sabe que discordâncias podem ser amigáveis. Numa oicsa, porém, não discordamos, nossa paixão pelos livror.

Anônimo disse...

Ah esta digitadora disléxica... coisa vira oicsa, muito geralmente vira muiot. Seria bom que pudéssemos editar nossos comentários.

Olga de Mello disse...

Nisso você tem toda a razão, Sonia. Adoro disvergências saudáveis. Acho que nós duas não nascemos pra vaquinha de presépio, embora afinidades gerais nos unam, né? Uma delas é a dislexia na digitação... Eu queria o computador do Stephen Hawkins, que obedece a pensamentos...

Anônimo disse...

Acabei de ler Possessão e é realmente impressionante. A coisa se desdobra em tantos personagens, mtos em primeira pessoa, tantos assuntos, cenários, tempos, em uma tal abundãncia de talento e técnica e domínio de todas aquelas camadas, destinos, personalidades...é uma inundação, um mergulho. Aquela terra produz tanta gente excepcional nessa área!
Dica para Olga: se você não conhece, sugiro Richard Yates. Estou apaixonada por ele.

Olga de Mello disse...

Oi, Marília, welcome! Já entrei em sua página, lendo vc na Sonia. Não conheço o Richard Yates. Creio que ele ainda não foi publicado no Brasil.
Apareça sempre!

ipaco disse...

Oi Olga, se vc gostou do Cem anos de solidão, então leia a história que inspirou o Gabo a escrevê-lo: "Pedro Páramo", do mexicano Juan Rulfo. Já temos uma boa tradução feita pelo Eric Nepomuceno, mas esse livro pede pra ser lido em espanhol mesmo...

beijim

Olga de Mello disse...

Li "Pedro Paramo" muito antes dos "Cem Anos", porque foi outra história que meus pais comentavam enquanto liam. Acho que a tradução da época nem era do Eric, era uma edição da Civilização Brasileira, se não me engano.