13.11.08

Clarice sem mistérios


Lendo crônicas de Clarice Lispector escritas para o Jornal do Brasil entre 1967 e 1973, encontro uma mulher bem maior que a escritora. Há algum tempo eu já me encantara com sua ingenuidade romântica dentro de uma cidade pequena, que era o Rio de então. Agora e na outra ocasião, lia Clarice para fazer resenhas de livros reunindo textos dela.
A romancista, contista e também autora de livros infantis, sempre achei chatinha, excetuando A Hora da Estrela e os trechos da Paixão Segundo G.H. sobre baratas. Aquela angústia perene me cansava, assim como a depressão do neo-realismo italiano, que conheci aos 13 anos assistindo a Ladrões de Bicicleta no MAM, com meus pais. Preferi o outro filme que vira no mesmo dia, O Delator, drama pesadíssimo de John Ford, com Victor McLagen fazendo um traidor da causa revolucionária irlandesa. A corrupção da alma que não tem amor à pátria era mais atraente do que a miséria corrompendo honestos. Não sabia, então, que as duas histórias tratavam do mesmo tema, claro.
Clarice era uma das escritoras favoritas de meu pai. Minha mãe também não tinha muita paciência para os devaneios metafísicos de sua literatura, embora me comprasse os livros infantis que ela escreveu. São muuuuuuito chatos e deprimentes. Mas a Clarice contratada para escrever colunas de jornal era outra pessoa. Divertida, sem temer a superficialidade, apaixonada, derramada, maravilhada pela convivência com a nata da intelectualidade brasileira (e estrangeira, também, como na entrevista com Pablo Neruda), deslumbrada com os filhos meninos, afetuosa em suas memórias de infância. Não parecia escrever para o público, mas para ela mesma, mostrando um pouco de sua vida, cautelosamente, não da forma exagerada e narcisista utilizada por muitos colunistas atuais. As manias, as neuroses, o uso da experiência para fins literários surgem em boa parte dos textos, que hoje seriam demasiadamente longos neste mundo de tempo mirrado.
Eu custei a reconhecer que a angústia de Clarice era a de todos nós. Por isso gosto mais da Clarice real - no que se apresenta como real - do que da Clarice artista. Através dessa Clarice que fazia jornal, mas não era jornalista, de artigos longos, publicados aos trechos, em sucessivas semanas, entendo a mulher que se escondeu na literatura.

2 comentários:

Milena Magalhães disse...

Olga, eu gosto de toda a Clarice! Mas entendo perfeitamente quando vc fala desta Clarice mais humana, mais nua, porque eu tb me encantei muito com esta Clarice "cronista"!

Um beijo.

Anônimo disse...

Eu realmente acho Clarice fascinante. Sempre pronta para ser descoberta, não se entrega toda de uma vez. Ela seduz aos poucos.

Maroon 5? Adoro!

Bjs,
alexandre