23.2.14

Longe de mim...

Em 1985, peguei um avião de Lima para Cusco e me espantei com a atividade incessante de um grupo de japoneses a bordo. Eles fotografavam tudo, das poltronas aos demais passageiros. Não imaginava que o mundo inteiro viria a se encantar mais com o registro das recordações do que com as lembranças que calam na mente.
Uma cena de Mironity Report mostrava Tom Cruise entrando num shopping center e sendo assediado por vendedores virtuais que o identificam pelo nome, enquanto tentam empurrar seus produtos para o possível cliente. É assim que me sinto quando abro o computador  no trabalho e descubro que minha lista de sites favoritos foi importada do meu PC doméstico, numa clara invasão de privacidade. 
Estou virando tecnofóbica.É a forma que encontrei para não me azucrinar com o controle absoluto que a sociedade dos tempos da Web assume como vantagem ou direito invidual que se sobrepõe ao respeito à coletividade. Vizinho de poltrona que confere recados no celular, no escurinho do cinema ou do teatro, não atrapalha só a mim, mas também a quem está no palco - quando é concerto, show ou peça. E não há desgraça que não possa me aguardar por duas horas até eu voltar à conexão com o mundo para resolver os problemas que desencadearão tragédias pessoais. 
Vivi 35 anos sem celular. E consigo sobreviver sem um aparelho que esteja ligado diretamente à Internet, que tire fotos, que guarde provas periciais de cada movimento meu pelo planeta. Outro dia instalaram circuito interno de TV no meu edifício. Para quê? Possíveis assaltantes não serão detidos por câmeras instaladas nos elevadores, com apenas uma central de comando - que fica numa sala deserta. A ilusão da segurança começa por grades que têm papel meramente psicológico na proteção contra malfeitores em geral. Não existe cofre ou fechadura inexpugnável. 
Recebo um livro sobre cuidados com a saúde que promete, praticamente, a vida eterna a quem se exercitar, alimentar-se decentemente, evitar o estresse e manter uma boa vida afetiva ou amorosa. A impressão que dá é que a vida não pode se acabar ou você será derrotado pela natureza. E ai de quem não seguir tais preceitos. Imagine um ser humano que ouse não se submeter a uma batelada de exames clínicos uma ou duas vezes por ano! A recomendação mais recente dos médicos norte-americano, parece, é uma colonoscopia preventiva. Caramba, isso não é um exame simples, exige que a pessoa se interne num hospital com acompanhante. Houve época em que a moda era fazes amniocentese para saber se os fetos teriam Síndrome de Down ou qualquer outra patologia "indesejável". O ultrassom durante a gravidez, que se limitava a um ou dois por gestação, agora é prescrito a cada mês. 
Não sou contra vacinação, exames preventivos, pré-Natal, nada disso. Tanto exame clínico me parece uma maneira de controlar a saúde de seu plantel, parece. E aí, quando se vê algo indesejável, o que fazer? Matar, como a girafinha na Dinamarca? 
Sei que um dia as pessoas vão se cansar de tanto controle. A brincadeira cansa. Os jovens largaram o Facebook por outra rede. Os adultos continuam se enfrentando, cada vez mais agressivamente, em fóruns abertos, rompendo amizades reais devido a truculência da exposição de opiniões apaixonadas (política, religião e futebol ainda rendem grandes embates). Distanciar-se de tanta informação seria covardia, anacronismo ou simplesmente a tentativa de encontrar sanidade mental? Talvez todas as respostas se combinem e estejam corretas. Mulher do outro milênio que sou, tento privar as relações pessoais, ainda que utilizando a tecnologia - desde que ela seja minha ferramenta e que eu não sucumba sob seu jugo. 


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